Forma é conteúdo?
por Bruno CarmeloO retrato cinematográfico de Rogério Duarte teria diversas premissas possíveis. Ele poderia ser visto prioritariamente como artista plástico, como criador de cartazes famosos do Cinema Novo, ou então como compositor, escritor, filósofo... O documentário dirigido por José Walter Lima explora todas essas vertentes, definindo o biografado como um intelectual de opiniões fortes sobre cinema, arte, sociedade, xadrez e religião. Ele é um homem de múltiplos interesses, e o filme acompanha esta pluralidade de abordagens com grande atenção.
Esta é provavelmente a maior qualidade de Rogério Duarte, o Tropikaoslista: a capacidade de expandir a importância do protagonista para além de seu trabalho ou das principais passagens de sua vida. Rogério Duarte é um homem de ideias, muitas delas fascinantes: rumo ao final, o artista demonstra um dispositivo arquitetônico através do qual reflete sobre a temporalidade, a desigualdade social, o caos urbano. Estas explicações são transmitidas de modo despojado, divertido, como numa conversa entre amigos. O tom da produção é agradável do início ao fim.
Os problemas começam com o trabalho técnico do filme. A direção de fotografia, captação de som direto e edição de som são muito fracas, a exemplo do longo depoimento de Rogério Duarte, sob uma luz fortíssima e dura em seu rosto, ou no depoimento do personagem com uma camiseta branca, sobre um fundo branco, com luz mal trabalhada e som tão deficiente que parece captado diretamente da câmera. É evidente que o projeto foi realizado com recursos limitados, porém o mínimo de esmero na linguagem audiovisual seria desejável. O mesmo pode ser dito das citações: as passagens com Caetano Veloso e Gilberto Gil são longas e burocráticas, e a citação do cineasta a si mesmo beira o egocentrismo.
Outro elemento questionável diz respeito à forma do projeto. O artista defende que “forma é conteúdo”, algo que ele aplica organicamente ao design, arquitetura e cinema. No entanto, o filme dedicado a Rogério Duarte não demonstra o mesmo cuidado com a própria forma. O Tropikaoslista se une a tantos outros documentários biográficos recentes que abordam a vida de pessoas transgressoras de modo domesticado, convencional. Rogério Duarte diz procurar o “underground absoluto, total”, porém seu retrato cinematográfico está mais próximo da “arquitetura funcional” criticada por ele, em sua alternância básica de depoimentos e imagens de arquivo.
O resultado funciona em seu viés informativo, sendo capaz de expor conceitos complexos e raros nas artes contemporâneas. Infelizmente, ele se esquece de propor uma linguagem capaz de dialogar com aquela do biografado, ao invés de apenas homenageá-lo. O cinema se apequena quando fica refém do tema e das boas vontades, quando se contenta com a apreensão ao invés da construção. Para tema subversivo, é preciso uma forma subversiva.