Meu Mundial - Para Vencer Não Basta Jogar: Crítica AdoroCinema

Meu Mundial - Para Vencer Não Basta Jogar aborda uma importante temática do mundo contemporâneo: o relacionamento, muitas vezes tóxico, entre jovens promissores do futebol e seus agenciadores. Em países como o Brasil, onde o esporte é uma grande tradição, os jogadores são apresentados cada vez mais cedo como promessas de um clube, iniciando a carreira nas categorias de base e ganhando destaque entre olheiros, cuja função é torná-los ainda mais produtivos e, consequentemente, lucrativos. Muitas vezes oriundos de famílias com poucos recursos financeiros, esses garotos rapidamente se tornam provedores, e o amor lúdico pelo futebol acaba se transformando em níveis absurdos de pressão. Nesta coprodução entre Uruguai, Brasil e Argentina, o diretor Carlos Andrés Morelli nos conduz por alguns dos efeitos psicológicos causados por essa abordagem de uma indústria de cifras milionárias.

As habilidades de Tito (Facundo Campelo) são estabelecidas já na primeira cena, onde observamos o garoto fazendo embaixadinhas e se movimentando com segurança em posse da bola. Momentos depois, constatamos sua total falta de interesse nos estudos e a dificuldade em entregar exercícios simples sobre o conteúdo debatido em sala de aula. O embate entre futebol e escola, inclusive, é o que movimenta a trama, um conflito caracterizado, em grande parte, pela figura do pai, Ruben (Néstor Guzzini), que, embora vibre com o talento do filho, se questiona sobre a importância que o futebol tem em suas vidas. Dessa forma, Ruben desempenha no longa a função de criar camadas para os acontecimentos em cena e de frear os impulsos do garoto e de Marisa (Veronica Perrotta), mãe de Tito. Enquanto Ruben parece constantemente preocupado com a nova hierarquia estabelecida na família — e, consequentemente, a perda de sua autoridade sobre Tito —, Marisa está mais focada nos benefícios que as novas mudanças trazem para suas vidas.

É interessante acompanhar, mesmo que superficialmente, a divergência parental sobre a contratação de Tito em um importante time de futebol uruguaio, mas é notável a falta de profundidade oferecida pelo roteiro. Na maior parte do tempo, Morelli abre mão de trabalhar os efeitos psicológicos dessas mudanças no protagonista para explorar apenas a reação dos pais. O fato de um garoto de 13 anos estar sempre recluso, travar durante entrevistas e não conseguir ler um simples texto de campanha publicitária acabam não recebendo a devida atenção de Morelli, que também assina o roteiro. Ainda mais problemático é que, em vez de estabelecer com mais autoridade e profundidade as relações desse novo momento — a pressão dos colegas de time para que Tito tenha uma moto, o tom abusivo adotado pelo empresário Rolando (Roney Villela), ou até mesmo o desgaste entre o protagonista e Florencia (Candelaria Rienzi) — o roteira decida inserir um ponto de virada que transforma o filme em uma história de superação.

O acontecimento responsável por alterar o rumo da trama se torna desnecessário diante de uma situação que já era grave pelos sinais de alerta apresentados anteriormente, em um jovem claramente sobrecarregado emocionalmente. Usar uma tragédia como motivo para trazer redenção ao protagonista, embora válido como artifício cinematográfico, é simplista diante das possibilidades muito mais complexas que o cineasta vinha apresentando até então, principalmente se considerarmos o desfecho, que parece sugerir que não houve nenhuma perda em todo esse processo de dor — a adição de um personagem "milagreiro" no ato final não apenas revela uma certa preguiça em desenvolver o drama da limitação física do garoto, como também gera confusão: afinal, foi a suposta interferência mítica ou os exercícios fisioterapêuticos que possibilitaram uma recuperação?

Apesar dos tropeços, Meu Mundial acerta em alguns aspectos da trama. É revelador assistir à final de um importante campeonato e observar que Tito, ao contrário da cena de abertura — note o olhar de decepção de Ruben ao ver que o filho preferiu driblar todos os adversários sozinho a jogar em equipe —, decide passar a bola para o companheiro de time fazer o gol, sendo repreendido em seguida pelo empresário. As cenas ilustram não apenas a mudança de mentalidade de Tito diante da pressão por resultado, como também um desejo de voltar às origens, no pequeno time de Nogales. É como se o garoto estivesse expondo sua vulnerabilidade na esperança de que alguém detectasse sua constante solidão. Igualmente sintomático é vê-lo fazendo um belo gol que é comemorado por todos, exceto por Ruben e Florencias, as duas únicas pessoas que percebem a gravidade da situação.

Outra qualidade do longa é mostrar o papel da mídia em criar rótulos para os jogadores e propagar uma ideia que, quase sempre, descarta os interesses individuais em prol de uma imagem comercial. Mesmo com os deslizes, a disposição de Morelli em abordar esses temas, aliada a uma mensagem final bem intencionada, consegue assegurar a relevância cinematográfica de Meu Mundial - Para Vencer Não Basta Jogar, que, mesmo superficialmente, desperta uma necessidade de reflexão sobre a indústria futebolística, seu destrutivo modus operandi e os efeitos gerados não apenas em jovens que têm suas infâncias roubadas, mas em toda uma estrutura familiar.