Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Desvios

Filmar o tédio

por Bruno Carmelo

Daniel (Rafael Mentges), o jovem funcionário de uma empresa, executa um golpe fiscal e arrecada R$15 milhões. A polícia, obviamente, fica à sua procura, então ele se muda de casa e se esconde durante um mês, antes de ter condições de sair livremente pelas ruas. A premissa, em si, é bastante interessante, e muito dependente do impacto deste primeiro conflito. Como exatamente executou o golpe? Quais foram os conhecimentos necessários? Mais alguém sabe, além dele e do primo Romano (Cassiano Ranzolin)? O que levou o rapaz pacato a praticar o crime?

Infelizmente, Desvios não responde nenhuma dessas questões essenciais – nem qualquer outra, aliás. A verossimilhança do golpe era essencial para o espectador torcer por Daniel, temer por ele, mas o roteiro dá o crime como cometido e ponto final. Talvez por limitações de produção, não se mostra nenhuma cena referente ao ato. Quando conhecemos o protagonista, ele já está alugando uma casa nova, esperando passar o tempo. A narrativa deseja muito que acreditemos em sua palavra, mas não fornece nenhuma razão para tal confiança.

Para o público, fica a sensação de frustração. A história torna-se improvável: como aquele sujeito simplório teria orquestrado um plano tão rebuscado? Sem essa construção essencial, o diretor Pedro Guindani limita-se a filmar o tédio dentro de casa. Isolado, Daniel dorme bastante, lê um livro, escova os dentes, faz abdominais. Depois, repete essas atividades uma, duas, três vezes. Por que ele não tem nenhum equipamento eletrônico em casa? O que o impede de se divertir com telefones, computadores, televisores, videogames? Por que o sujeito com todo o tempo do mundo se alimenta apenas de macarrão instantâneo? A imagem estereotipada da monotonia impregna o ritmo do filme.

O mesmo vale para a atuação e para os quesitos técnicos. Sem uma construção mínima do personagem fornecida pelo roteiro, Rafael Mentges parece vazio em cena, com emoções e sensações difíceis de decifrar. O momento em que uma bela garota, possivelmente uma espiã, abandona a sua cama é flagrante: o rapaz está de olhos abertos, mas não se sabe se tem cansaço, medo, angústia, ou apenas tédio. O roteiro tenta levar Daniel à paranoia, com medo de ser perseguido, mas a linguagem cinematográfica neste momento é a mais simples possível: multiplicam-se os ruídos na banda sonora, aumentam os volumes, e a câmera treme durante uma crise do personagem.

Talvez Desvios buscasse ser uma espécie de "Crime e Castigo" dos tempos modernos, mas esta obra literária estava baseada num profundo conflito moral. O filme brasileiro não oferece um conflito psicológico notável, já que Daniel parece indiferente às circunstâncias do próprio crime, tampouco apresenta ferramentas do suspense que possam jogar o espectador para dentro da trama. Sem estes elementos, contemplamos somente o retrato linear de algumas semanas de tédio.

Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em agosto de 2016.