Bibelô
por Taiani MendesUma protagonista viciada em sexo e amor já configura motivo suficiente para se ver um filme e Sem Amor revela-se ainda mais atrativo por ser dirigido e escrito por mulheres, ter uma descendente de filipinos no papel principal e contar com os irmãos Duplass, reizinhos do indie, como produtores executivos. Todas essas forças, no entanto, não somam-se para possibilitar um longa-metragem à altura de suas particularidades, e o que a cineasta Suzi Yoonessi entrega ao público é uma trama que confunde leveza com frivolidade, esvaziando suas próprias questões.
Joy (Charlene deGuzman), a personagem principal, tem um jeito muito característico de se vestir e falar, alegre como seu nome. Extremamente fofa, ela trabalha num programa infantil, dorme com ursinhos e é obcecada pelo amor, muito buscado e pouco alcançado um pouco por culpa de sua ninfomania. Aparentemente contraditória, a dependência de amor e sexo é um transtorno pouco conhecido, mas não espere sair da sessão de cinema capaz de defini-lo em três palavras ou de qualquer maneira. Joy diz que muda sempre de namorado e se declara precipitadamente para descobrir se é amada (eis o vício em amor) e noite após noite toma todas no bar, beija vários e transa com desconhecidos (eis o vício em sexo). É superficial assim a caracterização e logo a jovem já está em tratamento buscando resolver o seu grave problema para viver eternamente feliz com o homem de sua vida.
Melissa Leo surge brevemente em cena, o desafio dos 30 dias sem masturbação, flertes ou contatos com o ex é lançado e Sem Amor - "inamável" em tradução mais fiel do título original, afinal das contas amor ela tem, à sua maneira - finalmente encontra um ritmo e dedica-se a pelo menos um desenvolvimento de relacionamento: conectando a recuperação de Joy à parceria musical com Jim (John Hawkes, mirando no autismo e acertando na esquisitice). Não é culpa de Hawkes (que até manda muito bem nas canções) que sua atuação seja ruim, e sim da falta de respeito do roteiro com o personagem, definido como doente e ponto final. Distante de ser opção artística, os "não-ditos" aqui indicam falta de conteúdo e confiança exagerada no estilo como sustentação de uma trama mal construída acima de tudo.
Os pais só existem para ser responsabilizados pelos problemas de Joy - como no sonho de todo jovem - e sabe-se lá o que essa mulher faz quando não está tocando música ou pensando em ceder aos desejos, e como tem dinheiro para se alimentar. Os números musicais ao menos são divertidos e há um lampejo de inventividade em dois momentos de diálogos não convencionais, que comprovam a vocação do filme para a originalidade tanto quanto assinalam o fracasso do projeto integralmente, afinal são trechos bem isolados.
Sem Amor tem o suicídio como um dos temas principais, começando inclusive com uma tentativa de, e tenta fazer alguma graça com coisas delicadas usando personagens desajustados, música e uma protagonista que se destaca pela personalidade (deGuzman tem carisma e exibe solidez especialmente nas crises de ansiedade). Os equívocos são muitos e a satisfação é pouca. Coração bom é inegável que o longa-metragem tem, mas faltou a pesquisa e a compreensão de que, mesmo quando quer ser bobo, cinema é coisa séria.
Filme visto na 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, em outubro de 2018.