Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Esteros

E viveram felizes para sempre

por Bruno Carmelo

Desde a primeira cena, é perceptível que Matías (Ignacio Rogers) e Jerónimo (Estéban Masturini) se amam. Eles se olham apaixonados, fixamente, mas Matías está prestes a se casar com uma mulher. Em flashback, descobre-se que os dois se conhecem desde crianças, e a paixão existia antes mesmo da puberdade, sendo interrompida pela mudança de um deles para outro país. As crianças também se olham apaixonadas, em silêncio. Assim, através de sucessivas cenas de desejo, Esteros constrói a inevitável aproximação de ambos.

A previsibilidade deste romance é impressionante. Além disso, o caminho é recheado de conveniências: a noiva de Matías não pode acompanhá-lo numa viagem, deixando os antigos apaixonados sozinhos numa casa de campo, a chuva forte obriga os dois a passarem a noite na mesma casa, as roupas molhadas fazem com que tenham que se despir na frente um do outro... Tudo isso é entrelaçado por frases inverossímeis, como “Se algo acontecer com você, eu morro!”, proferida durante uma brincadeira na infância. O roteiro insiste mil vezes que os dois se amam, caso alguém ainda não tenha percebido.

Esteros funciona como uma espécie de conto de fadas, edulcorado e idealista. A única diferença é a orientação sexual dos protagonistas. Hoje em dia, os amores impossíveis à la Nicholas Sparks são motivo de chacota da crítica e do público mais exigente, mas as produções de temática gay que usam do mesmo mecanismo ainda são vistas como subversivas, pelo caráter minoritário dos projetos em relação ao circuito comercial. Talvez existam jovens em fase de descoberta de sua sexualidade, para quem obras sonhadoras do tipo façam sentido. Mas de modo geral, o filme opera numa chave sádica ao fazer o público esperar, cena após cena, olhar após olhar, até o tão esperado beijo.

A narrativa melhora muito, é verdade, depois deste momento. Quando finalmente se liberta da responsabilidade de sustentar um suspense óbvio (“Será que eles vão ficar juntos?”), por volta de dois terços da trama, o drama argentino começa a dar tempo para silêncios naturais, desprovidos de sedução, e para momentos de conflito interno dos personagens. É quando o filme se vira ao futuro, ao invés do passado, passando a enxergar a dupla principal como adultos responsáveis, e não dois pobres sofredores. A tomada de decisões de cada um, na reta final, aumenta o impacto emocional.

É uma pena que, até chegar neste ponto, o projeto alterne entre cenas do presente e flashbacks pouco expressivos, fazendo das personagens femininas coadjuvantes superficiais. O dito cinema gay, um segmento essencial à representatividade no meio audiovisual, precisa se livrar de códigos ultrapassados do cinema mainstream e dos vícios dos romances lacrimosos americanos. É preciso encontrar uma linguagem própria, como fizeram Pedro Almodóvar e John Waters, para além dos amores impossíveis.

Filme visto no 44º Festival de Cinema de Gramado, em setembro de 2016.