Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Baseado em Fatos Reais

Com atmosfera de crescente apreensão, filme é entretenimento de bom gosto

por Renato Hermsdorff

A francesa Delphine de Vigan escreveu um livro de tintas autobiográficas que foi o maior sucesso em seu país de origem. O êxito foi tamanho que, como consequência (e até comum nesses casos), resultou em um bloqueio criativo por parte da autora, que simplesmente não conseguia começar a obra seguinte - ao mesmo tempo em que recebia cartas ameaçadoras supostamente assinadas por parentes, incomodados com a revelação de uma história tão pessoal.

Foi então que, optando pela “autoficção”, ela resolver colocar esse drama (mais um pessoal) no papel e o resultado é “Baseado em Fatos Reais”, livro no qual este filme homônimo de Roman Polanski se baseia.

Adicionando mais uma camada de ironia, a protagonista de Baseado em Fatos Reais (livro e filme) também se chama Delphine (o sobrenome, porém, é Dayrieux). No longa, ela é vivida por Emmanuelle Seigner. Exausta depois de uma extensa turnê de lançamento do livro, insegura devido à pressão de repetir o sucesso, é nesse momento vulnerável que ela permite a aproximação de Elle (Eva Green), uma admiradora. A fã também é escritora - do tipo “ghost writer” -  e sugere que Delphine invista (vejam só!) em uma história pessoal na realização de seu próximo livro.

Como se vê, grande parte do mérito de D'après une Histoire Vraie (no original) se deve à criativa matéria prima de Delphine (de Vigan), que o roteiro, assinado por Polanski em parceria com o também cineasta Olivier Assayas (do ótimo Acima das Nuvens), aproveita muito bem.

A despeito do abuso de algumas metáforas óbvias (Delphine congela face a tela em branco do computador algumas vezes), a simbologia a que a dupla recorre é eficiente na construção de uma atmosfera de crescente apreensão - tão importante para a obra.

Desde a peça de vestuário que uma copia da outra, a caneca que ora uma empunha, ora a outra, o “cosplay” que Elle faz de Delphine para substituí-la em uma palestra, às situações que se prestam a construir a simbiose das personagens, tudo é tão absurdo quanto contraditoriamente “natural” no filme. O espectador atento desconfia das intenções da “impostora” e não é difícil matar a charada para os mais atentos - mais do que previsível, trata-se de uma virada coerente. É como se Polanski partisse do clássico O Que Terá Acontecido a Baby Jane? para se aproximar de Adaptação., escrito por Charlie Kaufman.

Contribuem o esforço das atrizes (em registros opostos, elas se complementam) e a trilha do experiente Alexandre Desplat (elegante e paulatinamente angustiante). No fim, Polanski e cia. conseguem amarrar as pontas de forma acessível - e evitando o lugar comum. Longe dos clássicos do diretor, o thriller psicológico Baseado em Fatos Reais é entretenimento de bom gosto.