Críticas AdoroCinema
1,0
Muito ruim
Ninguém Entra, Ninguém Sai

Sexo com moderação

por Francisco Russo

Houve uma época em que o cinema brasileiro escancarou sua relação com o sexo, através das pornochanchadas. Tempos de ditadura militar, onde a censura impunha o que podia ser visto, o que impulsionou o gênero erótico não só como válvula de escape como, também, para atender um certo lado sacana existente no brasileiro - ao menos da boca para fora, haja visto o comportamento essencialmente conservador que acompanha boa parte da população. O tempo passou, tal período ficou indissociável ao próprio cinema nacional - "filme brasileiro só tem mulher pelada", quem nunca ouviu? - e, desde a retomada, virou tabu. Poucos foram os filmes que, em busca de algum reconhecimento, se arriscaram na seara sexual, em qualquer gênero.

Dialogando com o passado e também com este momento atual do cinema brasileiro, Ninguém Entra, Ninguém Sai chega ao circuito buscando uma mescla entre estas duas vertentes. Ao mesmo tempo em que investe firme em piadas de duplo sentido - a começar pelo próprio título -, o ambiente como um todo é rigidamente controlado para que não haja excessos, seja no vocabulário ou em qualquer tipo de nudez. Trata-se de uma espécie de sexo com moderação, que possa ser visto pela família tradicional, o que ao mesmo tempo é um impeditivo para que questões mais abrangentes ou despudoradas sejam apresentadas - e, da mesma forma, mais convincentes e menos artificiais.

Dentro desta proposta, chama a atenção como o diretor Hsu Chien investe em estereótipos, tanto em relação ao sexo quanto a ícones do passado que, nos dias atuais, não são garantia de risadas. Se por um lado há uma profusão de chicotinhos (com seu respectivo - e repetido - som estalado), corpetes (da Madonna), fantasias (com direito a uniformes característicos) e utensílios sadomasô (a la Cinquenta Tons de Cinza), há também, direto do túnel do tempo, Sidney Magal e Sérgio Mallandro - com piada sem graça referente à Porta dos Desesperados, sucesso lá nos anos 1980. Paralelamente, o filme busca sempre um linguajar popularesco ao trazer personagens facilmente identificáveis: do adolescente que terá sua primeira vez (João Côrtes) à trintona que não teve relações sexuais (Mariana dos Santos), da mulher que impõe o poder da profissão também no relacionamento (Danielle Winits) àquela que só aceita transar mediante a promessa de casamento (Leticia Lima), da carola extrema que considera tudo uma imensa devassidão (Guta Stresser) ao trabalhador que se vira do jeito que pode para conquistar a mulher desejada (Emiliano D'Ávila). Só de olhar para cada um deles já é possível decifrar tudo o que acontecerá a seguir.

Se o uso de estereótipos não é um pecado, funcionando a contento quando bem empregado, aqui eles surgem por pura preguiça de roteiro. Até mesmo porque bastava fazer pequenas inversões para, mesmo em um ambiente artificial como o retratado, que ao menos algumas situações interessantes fossem criadas. Por exemplo: e se, ao invés de uma mulher virgem aos 30 anos, tal posto pertencente a um homem? E se o foco no adolescente virgem fosse, na verdade, na jovem que o acompanha - o que traria uma visão feminina diante da mesma situação? E se o casal gay retratado não fosse tão limitado, seja no espaço em cena, nos trejeitos ou na forma como é chamado? Ao buscar o fácil, narrativamente falando, Ninguém Entra, Ninguém Sai perde a oportunidade de trazer algum frescor em um cenário tão limitado, como fez De Pernas pro Ar ao abordar a questão do prazer feminino.

Entretanto, apesar de tais limitações ideológicas, o filme fracassa mesmo por ser absolutamente sem graça. Investindo em trocadilhos infames e personagens caricatos extremamente mal desenvolvidos, Ninguém Entra... oferece uma sucessão de situações constrangedoras - o melhor exemplo é a subtrama patética envolvendo Paulinho Serra e sua médica, interpretada por Monique Alfradique. Com mulheres histéricas por todo canto - Guta Stresser que o diga! -, a narrativa pífia costura de forma frágil tantas historietas e personagens, ambientadas em um cenário breguíssimo que passa longe da ideia proposta de um motel de luxo. Mesmo quando o filme caminha para um certo socialismo no local, ainda assim permanece ancorado em suas raízes conservadoras em relação à amplitude que tal proposta poderia ter junto aos clientes aprisionados. Mais uma vez, o filme fracassa ao oferecer algum frescor.

Diante de tantos problemas - estruturais, de (falta de) humor e de atuação (absolutamente ninguém do elenco se salva!) -, o pouco de interesse existente está fora do motel. Mais exatamente no clima de tietagem que surge na entrada do local, no melhor estilo torcida de Big Brother, que reflete bem o clima de espetacularização existente na mídia atual. De resto, trata-se de um filme mal realizado que tem por base narrativa uma desculpa esdrúxula, que (também) não funciona pelo lado cômico. Péssimo!