Críticas AdoroCinema
1,0
Muito ruim
Mentes Sombrias

Terra arrasada

por Francisco Russo

Era uma vez uma Hollywood onde distopias adolescentes reluziam como ouro. Jogos Vorazes era a joia da coroa, revelando a ascendente Jennifer Lawrence e trazendo consigo uma leva de adaptações literárias do mesmo naipe. Época de Divergente, Maze Runner, Os Instrumentos Mortais, A 5ª Onda, A Hospedeira e O Doador de Memórias, variações do mesmo tema que, um a um, empurraram o subgênero rumo a um fim tão precoce quanto sua ascensão. Basta lembrar que menos de uma década se passou entre o primeiro Jogos Vorazes e o derradeiro cancelamento do desfecho da saga Divergente, jamais rodado.

Neste cenário em que distopias não estão mais na crista da onda, chega Mentes Sombrias. O conceito é idêntico: um futuro distópico onde uma minoria oprimida precisa lutar por sua liberdade; aqui, crianças com superpoderes mantidas em campos de concentração. Fosse apenas deslocado no tempo, o longa seria uma anomalia que não soube aproveitar o melhor momento do filão. Mas este, no fim das contas, é o menor dos problemas.

Mentes Sombrias é muito ruim, por vários motivos. A começar pela escalação do elenco jovem, sempre oscilando entre o exagero nas interpretações - especialmente a protagonista, Amandla Stenberg - e a mais absoluta ausência de emoções - leia-se, a pequena Miya Cech, dependente do fator fofura. A dificuldade em encontrar um tom coeso entre tantos desníveis dificulta bastante a dinâmica dos jovens como grupo, jamais conquistando a simpatia do espectador. A imposição de um par romântico a todo custo prejudica ainda mais esta situação, pela inadequação não só dos atores envolvidos mas também de seus próprios atos. Como justificar Liam (Harris Dickinson, péssimo) lambendo os beiços assim que vê Ruby de vestido, pela primeira vez?

Tão questionável quanto é a sequência em que o mesmo casal em potencial está em um baile, em meio a um acampamento de fugitivos. Ele a convida para dançar, ela recusa. Ele de imediato usa seus poderes de telecinese para carregá-la, à força, para a pista de dança. Isso em pleno 2018, época do "não é não" e de tantas denúncias de assédio. Se já é difícil entender tais cenas nos dias atuais, o estranhamento só aumenta ao notar que uma mulher está no comando: Jennifer Yuh Nelson.

Em sua primeira incursão no live-action após a bem-sucedida trilogia Kung Fu Panda, a diretora amplifica os problemas de elenco ao apresentar uma sucessão de coadjuvantes caricatos em uma narrativa extremamente displicente. Basta acompanhar o preâmbulo, com a pífia justificativa acerca da morte de boa parte das crianças e do encarceramento de outras tantas devido aos poderes iminentes, sem jamais insinuar uma explicação plausivel acerca do que acontece ao redor. Ou a edição tendenciosa, que didaticamente antecipa o que está para acontecer, mesmo que seja óbvio. Ou ainda a ausência de sutileza, que faz com que a trama caminhe aos trancos em vários momentos.

Soma-se a estes problemas o uso descarado de todo e qualquer clichê possível, seja em relação à formação de amizades, do par romântico nascente, dos antagonistas ou mesmo acerca dos militares, presença importante nesta história. Até mesmo o bem-vindo esforço em apresentar um quarteto protagonista miscigenado cai por terra diante de tantos estereótipos.

Com intrigas mal fundamentadas e atores ruins que forçam a barra em um romance insípido, Mentes Sombrias é uma impressionante coletânea de erros, que desafiam o bom senso. Como curiosidade, há a irreconhecível (e breve) participação de Gwendoline Christie como a caçadora de recompensas Lady Jane - se você não a reconheceu pelo nome, é possível que a conheça como a Brienne de Game of Thrones.