Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
9 Dedos

Brincar de cinema

por Bruno Carmelo

“Nós estamos ligados como os dedos de uma mão. Mas sempre é possível se livrar de um dedo inútil”. A frase resume a premissa de 9 Dedos, paródia reflexiva sobre o cinema de gênero e as produções de baixo orçamento. Filmado em 35mm, preto e branco, ele remete a elementos do cinema noir, dos clássicos policiais, e mesmo do cinema mudo. A produção de François-Jacques Ossang constitui uma brincadeira cinéfila inconsequente, sem se levar a sério.

De acordo com a sinopse oficial, Magloire (Paul Hamy) encontra um homem moribundo, pega seu dinheiro e é imediatamente cooptado por um grupo de gângsteres que o colocam dentro de uma embarcação visando entregar uma carga proibida e lucrativa. Estes elementos estão presentes em cena, embora a lógica dos mesmos importe pouco: os perigosos mafiosos falam sobre tiros, bombas, perseguições, mulheres fatais e substâncias radioativas, porém as ameaças ficam no campo da imaginação, das palavras. Elas não são vistas em imagens. O projeto lembra um grande faz de conta, no qual crianças se atribuem papéis arquetípicos (o policial, o bandido etc.) e descrevem aventuras que jamais se concretizam.

Ossang aposta numa dinâmica teatral. Os cenários internos do barco são bastante artificiais, assim como os figurinos cômicos dos nove personagens. O cineasta brinca com quebras abruptas das cenas, imagens em negativo e tiros lúdicos, representados por meros feixes luminosos. O preto e branco contrastado remete menos ao cinema clássico propriamente dito de que ao seu imaginário coletivo. 9 Dedos investe em clichês, confrontando a arte erudita (a elegância do preto e branco, o vocabulário refinado dos personagens) à cultura popular (o pastiche, o exagero).

Na segunda metade, a trama assume seu lado existencialista. O humor nasce da surpresa de ver bandidos filosofando sobre a fronteira entre a verdade e a mentira, o real e o falso, o tempo e o espaço. Os personagens caminham rumo à doença ou à loucura, de modo que a conclusão possa eliminá-los facilmente se desejado. Na verdade, não existe complexidade psicológica nem afeto em relação a qualquer uma dessas figuras descartáveis: o ambíguo Magloire, o intempestivo Kurtz (Damien Bonnard), o ambicioso médico (Gaspard Ulliel) e o sábio Ferrante (Pascal Greggory) ocupam funções narrativas ao invés de manifestarem personalidades próprias.

9 Dedos resulta em um filme retórico. Sua história importa pouco, assim como os personagens. O conteúdo é uma desculpa para preencher a brincadeira da imagem sobre a imagem. O valor do filme está em seu conceito, ao invés de sua execução. Por isso, talvez os 100 minutos de duração soem arrastados, esticando a premissa sem desenvolvê-la. O projeto se sustenta como curiosidade, exotismo.

Filme visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2017.