Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
A Excêntrica Família de Gaspard

Zoológico humano

por Renato Furtado

Pela quantia de € 50 por dia, Gaspard (Félix Moati) apresenta uma inusitada proposta para Laura (Laetitia Dosch), uma mulher que ele acabou de conhecer, algemada aos trilhos de uma ferrovia como parte de um protesto anti-materiais radioativos. Caso ela aceite passar o final de semana seguinte com ele na casa do pai de Gaspard, onde haverá um casamento, Laura recebe a remuneração diária. Mas por que o homem precisa pagar alguém para acompanhá-lo? Quais são suas evidentes reservas em relação à própria família, núcleo que ele não encontra há muito tempo? O que, por fim, ainda não nos foi revelado?

Se é realmente possível definir um roteiro tradicional e linear como uma espécie de jogo de perguntas e respostas, em que cada sequência busca solucionar as questões deixadas pelas cenas antecedentes, A Excêntrica Família de Gaspard não poderia começar de forma mais inteligente. Afinal de contas, formar um par com dois desconhecidos em um trem em movimento é, definitivamente, um início atraente para uma comédia romântica repleta de surpresas e reviravoltas. No entanto, este longa, o terceiro do diretor Antony Cordier (Para Poucos), é vago demais para o próprio bem.

Inicialmente, quando tudo se resume à improvável relação estabelecida entre o casal de protagonistas, a narrativa caminha a passos largos. Como Laura pode se passar pela namorada de Gaspard se eles estão há pouco mais de uma hora juntos? Este prenúncio, perfeito para uma comédia de erros e de desentendimentos, acaba, entretanto, sendo engolido por uma introdução exponencial de subtramas e de atrativos personagens peculiares, inversamente proporcional à própria abertura da trama: quanto mais conhecemos a disfuncional família do protagonista, parece que menos a compreendemos.

Disfuncional, aliás, é um eufemismo, quase uma gentileza para o compêndio de características bizarras que forma cada um dos membros da família no centro desta comédia dramática. Extremamente amplos em suas potencialidades e idiossincrasias, os personagens de A Excêntrica Família de Gaspard são uma das ferramentas de Cordier para empreender uma de suas principais e mais interessantes investigações neste projeto: examinar como as relações humanas se parecem com as relações animais sem jamais recorrer ao clichê dos instintos e da primitividade.

Por mais que a estrada para evitar o senso comum sempre seja complexa, Cordier acerta ao situar a narrativa toda dentro de um zoológico, o bem maior da família de Gaspard. Apoiado por uma dourada fotografia envolvente e por um ritmo quase dançante — a sequência em que o protagonista e seus dois irmãos dançam juntos, Coline (Christa Théret) e Virgile (Guillaume Gouix) é um dos pontos altos do longa — o cineasta nos transforma em observadores privilegiados. Aqui, somos turistas de um verdadeiro zoológico das conexões humanas: são as ligações que estabelecemos com nossos semelhantes — sejam elas impessoais, fraternais ou sexuais — que nos fazem animais.

Entretanto, esta “exposição de seres humanos” de A Excêntrica Família de Gaspard não possui muitas atrações, apesar de seu caráter exótico e enigmático. Se por um lado a comédia dramática impressiona o público por seu frescor e sua originalidade — muito presente nos autênticos diálogos —, por outro, frustra com sua “nebulosidade”. O que nos distancia dos animais é a racionalidade do espírito humano; enquanto pode ser simples, na maioria das ocasiões, compreender as motivações dos bichos, não é necessariamente fácil entender, logo à primeira vista, porque Coline perambula por aí vestida com um manto de urso.

Quando finalmente chegam, as soluções para a maior parte das perguntas lançadas por Cordier não são satisfatórias o suficiente. O problema de A Excêntrica Família de Gaspard não é ser oblíquo, mas ser ambíguo em demasia. A animalidade e a bestialidade das relações humanas — constantemente tratadas por um viés irônico pelo cineasta, como no caso da infidelidade crônica do mulherengo e patriarca da família Max (Johan Heldenbergh) com Peggy (Marina Foïs) ou da evidente incestuosidade entre Gaspard e Coline — perdem suas potências conforme Cordier fecha as pontas soltas da maneira mais convencional.

Preso entre o desejo de inovar dentro de um gênero tão rígido quanto o das dramédias românticas e a ausência de ousadia, A Excêntrica Família de Gaspard soa, de fato, excêntrico, mas sem substância. Tem valor em sua exploração dos laços familiares, da perda da inocência, da melancolia do amadurecimento e em sua desconstrução do status de tabu de certas relações, mas peca ao pegar a contramão da inventividade no meio da estrada, atendo-se às soluções esperadas. Se Gaspard va au Mariage (título original) nos surpreende no início, nos deixa, no fim das contas, com um gosto de reprise.