Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
10 Segundos para Vencer

Um homem de família

por Taiani Mendes

Praticamente desde que o cinema é cinema o boxe é o esporte preferido dos realizadores. Talvez seja porque a maioria dos pugilistas vem de origem humilde e supera poucas e boas pela carreira (argumento pronto); porque o bailado sangrento dentro do ringue rende ótimas imagens; porque as regras são claras e o resultado muitas vezes imprevisível... Não sei. Só sei que é assim e a aposta no "gênero" continua, vide, por exemplo, a franquia Creed. É do Brasil um dos grandes lutadores da História, Eder Jofre, que finalmente ganha cinebiografia pelas mãos de José Alvarenga Jr..

Como é difícil querer inventar a roda num tema em que a excelência já foi alcançada algumas vezes, a saída do cineasta é referenciar. Ele evoca, inclusive em preto e branco, Touro IndomávelRocky e até comerciais de produtos esportivos. 10 Segundos para Vencer existe como existe porque certas coisas já foram feitas, mas a falta de originalidade não é um problema do filme, que orgulhosamente segue a cartilha do cinemão narrativo clássico ao aliar crescimento pessoal e vida em família.

Livre de ser uma cinebiografia padrãozinho com nascimento, auge e fim, o longa-metragem debruça-se sobre a íntima relação do clã Jofre com a luta para contar a trajetória do Galinho de Ouro (Daniel de Oliveira) a partir de suas conexões mais próximas. Entrar no ringue envolve sacrificar a vaidade, a saúde e às vezes a própria vida, e a narração da história vencedora de Eder é marcada por uma série de sacrifícios, que vão desde os próprios sonhos até pequenos prazeres, tudo em nome dos parentes.

A conexão principal é entre o atleta e seu pai e treinador Kid (Osmar Prado, em atuação estupenda que deixa o longa ainda mais encorpado), oposição de inflexibilidade e docilidade que engrandece o impacto do drama através da sisudez do pai e a servidão bondosa quase infantil do herdeiro. A negação do pudim provoca risos, a irredutibilidade na torturante técnica para perda de peso gera temor e as felizmente inevitáveis declarações de amor emocionam. Pai e filho formam a dupla central, mas todos ao redor têm importância e personalidade. É um filme cinza que ganha cor através dos sentimentos quase que visíveis, de tão genuínos, dos personagens.

10 Segundos também acaba se revelando especial por não se restringir ao sucesso e ao fracasso nos ringues, tratando de crise pessoal e do não saber o que fazer depois de se tornar o maior do mundo. O boxe é o sustento, o talento, a paixão, a preocupação, mas não o ponto central da trama, que é realmente investida em pessoas e seus laços.

Como agilidade é a grande característica das categorias em que Eder sagrou-se campeão (pena e galo), as sequências de luta são fugazes e capturadas por uma câmera bailarina que respira, tonteia, escapa de golpes e encontra ângulos improváveis. Alvarenga também tira proveito da velocidade inserindo registros de arquivo do verdadeiro Eder em ação sem que a magia do cinema seja quebrada, afinal mal é possível ver sua face de forma definida em meio a tantos golpes. A solução criativa ainda oferece um gosto de nostalgia graças à logo da Atlântida que antecede as imagens.

Com belíssimo trabalho de direção de arte, 10 Segundos para Vencer tem um protagonista que demora a falar, um pai que esconde seu coração e golpes que revelam sua verdadeira potência na soma total. O suor e as lágrimas lavam o cheiro de naftalina.

Filme visto no 46º Festival de Gramado, em agosto de 2018.