Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
50 São os Novos 30

Os fracassados também amam

por Bruno Carmelo

“Eu não penso muito na técnica. Eu me dedico aos personagens e aos diálogos, mas não fico pensando na imagem”. A frase da diretora Valérie Lemercier ao AdoroCinema durante uma entrevista soa como heresia para os formalistas e aos cinéfilos mais acirrados, mas serve muito bem para descrever esta comédia – para o bem e para o mal. Por um lado, a cineasta cria personagens muito interessantes dentro de uma comédia terna, simples. Por outro, seu descaso com a composição estética é frustrante.

Marie-Francine (a própria Valérie Lemercier) vive um dia infernal – mote clássico do cinema de vocação inspiradora. De uma vez só, é abandonada pelo marido, que prefere uma mulher mais nova, e perde o emprego por um motivo banal. Em qualquer outro caso, a tragédia serviria de gancho para uma guinada, um “dia de fúria”. Mas a mulher de 50 anos de idade permanece idêntica a si mesma: lenta, silenciosa, fleumática. Ela aceita a má sorte sem contestar, e passa a morar com os pais idosos. Poucos dias depois, aceita um trabalho improvável numa loja de cigarros eletrônicos. Imediatamente, conhece um cozinheiro que se apaixona por ela. Ele também, vejam só, é fracassado, cinquentão, e vive com os pais idosos.

Curiosamente, o argumento improvável se desenvolve através de recursos realistas: muita luz natural, diálogos banais, ausência de reviravoltas espetaculares. Trata-se de uma comédia depressiva, na qual se ri de pessoas sérias, sem personagens caindo, sem paixões profundas, sem grosserias, escatologias, agressões de qualquer modo. As pessoas vestem cores discretas (bege, cinza, marrom claro) em ambientes igualmente neutros, num ritmo letárgico. Ainda assim, o projeto acredita que possa nascer um amor suficiente para transformar a vida de dois perdedores. Um amor mínimo, microscópico, porém revolucionário neste contexto desolador.

Acostumada ao papel de burguesas antipáticas, Lemercier oferece a si mesma o protótipo da “mulher comum”, sem qualidades, e o executa muito bem. Patrick Timsit, associado a figuras coléricas e irônicas, também ganha um personagen inesperado, sem malícia. Tudo é incrivelmente singelo neste filme com medo de ofender, de incomodar. Por esta razão, ele se distingue de tantas comédias que se esforçam demais em provocar o riso. Paralelamente, incomoda pelos enquadramentos meramente funcionais, acadêmicos. Lemercier evita à malfalada comédia física, mas também foge da benquista comédia estética (obtida através de enquadramentos, montagem, elipses), preferindo um humor de situação: os incômodos, os silêncios, as vergonhas.

Caso o espectador queira enveredar pela metáfora política, encontrará um discurso interessante sobre o fracasso dos adultos maduros, obrigados a morar com os pais na época em que a sociedade espera que estejam bem-sucedidos e felizes. Seria uma metáfora da crise econômica na qual a relativa estabilidade das gerações passadas se transformou na desintegração financeira e afetiva. A escolha por um par romântico português permite a comparação entre o declínio francês e aquele de Portugal, país em fase de recuperação do colapso econômico recente. 50 São os Novos 30 se conclui como um filme tão agradável quanto morno, tão humanista quanto pouco memorável.