Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Slender Man - Pesadelo Sem Rosto

Medo do medo

por Bruno Carmelo

Este filme de terror começa muito bem. Primeiro, porque o seu foco se encontra na construção das quatro personagens principais, em detrimento do monstro. Existe um belo clima de abandono e falta de perspectivas na vida de Wren (Joey King), Hallie (Julia Goldani Telles), Chloe (Jaz Sinclair) e Katie (Annalise Basso), que será determinante para o desenvolvimento da trama. O diretor Sylvain White bebe nos melhores exemplares do terror recente – It - A CoisaCorrente do Mal – para isolar o mundo dos jovens e o dos adultos, como duas esferas que nunca se encontram. O ponto de vista, acertadamente, permanece sempre do lado das garotas.

Segundo, porque Slender Man é apresentado, desde o início, como um mito. Ao invés de vender ao espectador a presença inegável de um fenômeno sobrenatural, o roteiro prefere reforçar a impossibilidade do vilão, o fato que seria nada mais do que uma lenda urbana, ou melhor, um cautionary tale, uma fábula para alertar as crianças sobre os perigos da vida em sociedade. Afinal, a ameaça sem rosto possui uma construção muito interessante: ele não precisa ir atrás de suas vítimas, são elas que o invocam e depois passam a alucinar, oferecendo-se para ele. O Slender Man não precisa correr e destroçar as suas vítimas, eliminando-as por assimilação, sem uma gota de sangue sequer. O vilão se assemelha ao líder de uma seita capaz de seduzir pessoas puras e indefesas, o que traria um comentário interessante sobre mecanismos sociais contemporâneos.

No entanto, a cada nova cena, o modus operandi do monstro se torna mais contraditório. Ora seus braços são meramente decorativos, ora os tentáculos servem para correr, e depois para estrangular. Ora ele fica parado, “encantando” as vítimas, ora parte atrás delas com um celular invisível, com o qual filma a fachada de suas casas. Ora ele não tem corporalidade, aparecendo onde quer e quando quer, ora precisa se transformar em sombra para passar por debaixo da porta. Em outros momentos, atravessa portas. Em alguns momentos, dizem que é possível que o Slender Man devolva a vítima, em outros casos, a vítima jamais retorna. Às vezes é necessário evocá-lo com um vídeo, depois com objetos preciosos, e depois com nenhuma dessas coisas, porque ele já está observando a todos como um ser onipresente, prestes a atacar quando lhe convier.

Slender Man - Pesadelo Sem Rosto cria uma verdadeira confusão na mitologia de seu personagem principal. Ao fim, é difícil saber do que ter medo – do ataque do monstro, da loucura, da simples presença dele, do desaparecimento -, porque cada nova cena anula o funcionamento da anterior. Neste sentido, o adversário lembra a incoerente entidade de Atividade Paranormal, aquela que não se mostrava a olho nu, mas adorava ser registrada pelas câmeras; que inicialmente era um fantasma, mas depois deixava pegadas no chão e mordidas nas vítimas. Sobra uma paranoia geral, uma impressão de que qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento. Em outras palavras, um medo do medo.

Esta atmosfera se mostra eficaz na primeira metade do filme, quando a presença do monstro é insinuada, podendo ou não ser real. Neste sentido, as rimas visuais são muito bem-sucedidas (a comparação entre a criatura e uma árvore com seus troncos, as mechas de cabelo se espalhando pelo travesseiro como os braços do Slender Man), numa direção ambiciosa e elegante em construção de enquadramentos – vide a bela cena de Katie encarando o perigo na floresta, ou a amizade entre Katie e Hallie nas arquibancadas escolares. White trabalha bem a sedução do monstro como destino inevitável para os jovens abandonados, cujos pais são alcoólatras ou ausentes. A morte pelos braços da criatura representaria uma metáfora do desejo de fuga.

No entanto, passada a boa construção inicial, o roteiro decide que já insinuou demais, tendo chegado a hora de mostrar os ataques e revelar o vilão de perto. Slender Man - Pesadelo Sem Rosto se enfraquece por explorar caminhos fáceis: jump scares através de efeitos sonoros, distorções na imagem para sugerir alucinação, deformações nos rostos dos personagens para imprimir medo, mas que transparecem apenas a conclusão apressada dos efeitos especiais e os recursos fracos de maquiagem. As mocinhas começam a tomar as típicas decisões erradas de filmes de terror, incluindo se separarem e adentrarem uma floresta sozinhas, perdendo-se num mar de gelo seco. O roteiro duvida de sua própria capacidade de despertar medo, precisando então se repetir, se traduzir, tornar-se mais claro e mais simplório.

Ao menos, destacam-se as atuações competentes de Joey King e Julia Goldani Telles, a vontade de incluir um número expressivo de atores negros no elenco, e de dar às meninas mais coragem e força do que os garotos infantilizados com quem se relacionam. Se desconsiderarmos a facilidade absurda com que as pessoas acessam os computadores pessoais umas das outras, o filme também traz um olhar interessante à nossa dependência tecnológica e ao poder nocivo da manipulação de imagens, típica da era digital.