Atirei o CGI no gato
por Rafael AloiCats ganhou seu primeiro trailer em julho e logo causou a maior comoção na internet, mas não como o diretor Tom Hooper queria. Afinal, todos estavam chocados com os gatos de computação gráfica com aspecto muito humano, incluindo quadris e peitorais. Aquela primeira versão não estava finalizada. Mas agora, com o lançamento oficial do filme, não há mais como usar essa desculpa e a sensação que fica ainda é chocante, e não de uma boa maneira.
Antes de tudo, é necessário admitir que pelos e cabelos sempre foram um dos grandes terrores da computação gráfica e colocar tantas texturas e movimentos de pelos nos felinos com certeza exigiu muita tecnologia e trabalho. Porém, os gatos que vemos em cena são ainda estranhamente desconfortáveis de se olhar. Apesar de terem rabos bem coreografados, os personagens ainda têm rosto, mãos e pés humanos.
Essa escolha de caracterização tira todo o foco de qualquer cena. Ao longo de todo filme diversos questionamentos surgem: gatos deveriam ter quadris? E ombros largos? E seios? Quem teve a ideia de colocar esses rostos nessas baratas? Esse rosto no meio da pelugem toda tem um pescoço ou está só flutuando? Tudo isso só mostra que essa escolha por um visual digital mais “realista” foi equivocada, a não ser que a ideia fosse parecer surrealista e brega desde o começo.
É impossível não ficar olhando para aqueles dedos e calcanhares, ou pior ainda para os torsos nus de muitos atores. A aparição de Idris Elba “pelado” ou Rebel Wilson deitada no chão com as pernas abertas coçando suas coxas te fazem se perguntar: O que estou assistindo? Talvez, melhor do que transformar humanos em gatos, uma opção seria trazer aspectos humanos aos gatos. Os personagens que menos causam estranheza acabam sendo aqueles que trazem consigo roupas humanas, como a Velha Deuteronomy (Judi Dench), Mr. Mistoffelees (Laurie Davidson) e Skimbleshanks (Steven McRae). E aqui não é uma questão de pudor para esconder curvas humanas, mas sim que, assim, estes se tornam seres mais reconhecíveis.
É irônico pensar que a trama funcionou tão bem por anos no teatro, com caracterizações menos animalescas dos personagens, mas que no cinema chega de uma forma tão estranha. Talvez Cats seja uma trama que funcione bem com a magia do teatro, em que o público, separado dos gatos pela altura da palco, consiga vislumbrar os felinos e aceitar a função de cada fantasia peluda. Porém, ao rompermos essa distância com a câmera do cinema, os gatos ficam muito próximos do público o que faz com que o olhar sobre eles seja muito mais exigente. O teatro também se torna melhor para observar o conjunto das coreografias (que trazem um ar mais felino), que no cinema se perdem com closes e cortes para os personagens.
Cats foi uma das peças que mais ajudaram a popularizar os palcos de Londres e Nova York entre famílias e turistas. Baseado em diversos poemas de T.S. Elliot, o musical criado por Andrew Lloyd Webber já tem uma narrativa bagunçada em sua concepção. Por isso, Tom Hooper decide no cinema transformar Victoria (Francesca Hayward) no fio condutor da narrativa, como a novata que está descobrindo tudo que acontece naquele local. Além de aumentar a força vilanesca de Macavity (Idris Elba). Boas escolhas para tornar a trama mais palpável para novos públicos.
Há um detalhe que merece elogios, a direção de arte. Todos os cenários construídos para o filme, com suas mobílias gigantes são muito belos e trazem um visual grandioso. A interpretação das canções também não deixa a desejar, afinal com um elenco formado por Jason Derulo, Taylor Swift e Jennifer Hudson seria o esperado. Aliás, a nova canção escrita pela cantora pop combina bem com a cena em que aparece. O maior erro do filme está no lypsinc das canções. Em grande parte das cenas, os lábios dos atores (cujos rostos também foram retocados pela computação gráfica para a inclusão de bigodes) não combinam com o que está sendo cantado, um erro crucial para um musical.
Cats é um filme que te deixa com uma sensação agridoce, pois a imagem que nos é apresentada é tão surreal, que o exagero e o absurdo podem se tornar motivos de risos e diversão para quem conseguir se entregar, ao mesmo tempo em que questiona o que é aquilo que está assistindo? Talvez fruto de erva de gato.