Jornada terapêutica
por Bruno CarmeloTudo começa no consultório de uma terapeuta. Laura (Vera Farmiga) tenta dizer que se sente bem, não precisa mais da aprovação do pai que a abandonou. Ela se sente equilibrada, a vida está muito melhor. O resto do filme se dedica a provar que Laura está errada: esta mãe solteira é triste, solitária, não sabe o que fazer com o problemático filho adolescente, nem com o pai idoso, prestes a ser expulso do asilo por plantar maconha. A pobre protagonista sai com homens que não a valorizam, detesta o trabalho abusivo e tem dificuldade de cuidar das dezenas de cachorros abandonados que acolhe em sua casa.
O roteiro propõe uma road trip dos desajustados, obrigando-os a conviver juntos com suas manias. O pai excluído, a filha excluída e o neto excluído atravessam o país num carro, junto de cães igualmente excluídos. A diretora Shana Feste aposta na cartilha máxima de produções independentes, adotando um tom agridoce, criando uma série de peripécias no caminho, e alternando brigas intensas com doces reconciliações. “A família é tudo o que importa”, diz uma personagem a certa altura da trama. O filme concorda com ela. Esqueçamos que se detestam, ou tenham se machucado: membros de uma mesma família deveriam ficar juntos.
Limites adota com carinho a ideia de melhoria imediata na situação de cada um graças à união forçada. A cineasta não busca imagens de cunho autoral, limitando-se à luz natural dos grandes espaços abertos, aos planos fechados nos rostos dos atores, à câmera tremida durante os conflitos intensos. Muitas reviravoltas soam artificiais, especialmente quando envolvem novos cachorros, maconha ou desenhos eróticos, porém a narrativa está disposta a sacrificar a verossimilhança em nome do humor. O filme prefere se situar no limiar da fábula, registro no qual as incongruências são possíveis e a moral no fim justifica os percalços do caminho.
No elenco, é bom ver Vera Farmiga distante do registro de terror ou ação a que tem sido associada devido a Invocação do Mal, Bates Motel e produções como O Passageiro. Aqui, ela encarna a mulher perdida, de cabelos bagunçados e casa caótica refletindo a própria vida. Feste deve ter pedido para que ela intensificasse cada diálogo, olhar e gesto, extraindo da sutil atriz uma persona à beira da histeria. Curiosamente, os homens recebem um tratamento distinto: tanto Lewis MacDougall, como o filho, quanto Christopher Plummer, no papel do pai, têm a oportunidade de desenvolver silêncios e subentendidos. Este último, em especial, brinca muito bem com os diálogos, equilibrando o humor jocoso com um registro naturalista.
Ao mesmo tempo, a mulher é a única realmente enganada pelos homens ao redor. Soa incômoda a decisão de tratar tantas chantagens emocionais e manipulações contra Laura como se fossem brincadeiras sem importância, e mostras indiretas de afeto. Limites não apenas perdoa os personagens por suas falhas - algo positivo, sem dúvida -, mas também perdoa-os pelo mal que causam um ao outro. No entanto, sabemos que questionamentos morais não constituem a preocupação de Feste, mais interessada em inverter papéis ao propor idosos agindo como jovens, e jovens agindo como pessoas mais velhas. Para isso, orna seu filme com música doce, cachorros adoráveis, belas paisagens.
O imperativo do feel good movie passa por cima das outras decisões, culminando numa fraca colagem de sorrisos dos personagens rumo ao desfecho. Aí se encontra a verdadeira finalidade do projeto: extrair sorrisos de todos, incluindo do público, sacrificando o que for necessário para chegar ao momento de alívio, à cura através do humor e do perdão. Nesta comédia dramática, os fins justificam os meios.