Fantasmas do genocídio
por Bruno CarmeloPara construir este filme, o diretor Sérgio Trefaut partiu de um material muito preciso: os relatos de um sobrevivente do holocausto, forçado a trabalhar no campo de concentração de Treblinka, na Polônia. Para evitar a morte, fingiu ser cabeleireiro e começou a raspar o cabelo das vítimas antes de entrarem nas câmaras de gás. Ao invés de fazer uma reconstituição dramática e referencial, o cineasta prefere adotar um registro entre ficção e documentário, com dois atores – um homem e uma mulher – interpretando os mesmos relatos.
Esta estrutura domina toda a projeção, da primeira à última cena. A câmera concentra-se no trem transiberiano, percorrendo vagões e leitos. Por um lado, a escolha de trabalhar com sombras, sobreposições e outros efeitos fantasmáticos traduz a sensação de uma memória distante, reforçada pela voz solene dos atores-narradores. A escolha estética é interessante por trazer distanciamento em relação à imagem referente: este não é um trem qualquer, e sim a representação dos comboios que levavam diariamente centenas de judeus em direção à morte.
Por outro lado, algumas metáforas encontradas por Trefaut são questionáveis. Quando o texto fala em câmaras de gás, o filme mostra uma mulher fumando num espaço pequeno do trem. Quando se fala no corredor que conduz aos campos, filma-se o corredor do trem. São analogias óbvias (gás com gás, corredor com corredor) que, embora ganhem tons poéticos pelas escolhas estéticas, soam menos perversas do que os relatos indicam. De certo modo, as analogias são brandas demais para o conteúdo que buscam representar. A ficção Filho de Saul, que usava os sons fora de quadro para ilustrar a barbárie, tinha obtido um resultado muito mais satisfatório nesse aspecto.
Treblinka também pode incomodar pela rigidez formal, com uma estética que não se transforma nem se aprofunda. Os primeiros minutos podem causar um bem-vindo espanto, mas aos poucos as cenas se repetem, perdendo o caráter do choque provocado pelos fantasmas das sobreposições. O material é enxuto demais, parecendo esticado na intenção de ultrapassar os 70 minutos necessários para figurar em festivais de cinema como um longa-metragem. Pelas repetições e pelo voluntário cansaço provocado através da dilatação temporal, este projeto seria mais apropriado como videoarte, ou instalação num museu.
Mesmo assim, são louváveis as buscas por novas formas de representar um trauma tão forte e tão recente na história da humanidade. Existem infinitas maneiras de captar a sensação de um crime como o Holocausto, e a arte possui a tarefa de experimentar, em linguagens e sensações, a melhor maneira de dialogar com os fatos. Tréfaut obtém mais sucesso na construção plástica do que no discurso político, mas ainda assim oferece uma obra ousada.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.