Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki

Uma péssima hora para se apaixonar

por Bruno Carmelo

À primeira vista, este pode parecer mais um filme de boxe, uma enésima história sobre o azarão que luta contra um favorito e, superando as expectativas de todos, vence e se torna uma personalidade marcante do esporte. Felizmente, O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki não é nada disso. O boxe fica em segundo lugar para ceder espaço a uma análise humana (sobre a pressão do sucesso) e institucional (sobre as derivas capitalistas do esporte profissional). O diretor Juho Kuosmanen pretende mostrar que o maior desafio de Olli Mäki (Jarkko Lahti) está nos bastidores, e não dentro do ringue.

Vários fatores impedem o boxeador de se tornar o ídolo que a Finlândia espera dele. O rapaz é tímido, não sabe se comunicar com o grande público. Não é uma pessoa batalhadora, que sempre amou o esporte acima de todas as coisas - sua relação com o boxe é um tanto indiferente -, nem possui ambições de enriquecimento ou fama. Para piorar, Olli Mäki se apaixona por uma garota que não demonstra o mesmo afeto por ele. “Essa é uma péssima hora para se apaixonar”, adverte o pragmático treinador. O esporte profissional exige dedicação aos treinos, aos patrocinadores, aos spots publicitários, mas Mäki tem a cabeça nas nuvens.

Esse pacato sonhador afasta a produção do heroísmo hollywoodiano. O resultado é o mais realista possível, tanto na construção singela do amor quanto na relação conflituosa com o treinador, nunca visto como um vilão, mas uma pessoa adaptada às leis do mercado, e portanto o oposto do atleta. Kuosmanen filma as cenas com uma energia contagiante, como no momento em que os rapazes brincam de jogar baldes de água um no outro (incluindo um balde lançado diretamente à câmera) ou quando a namorada Raija (Oona Airola) mergulha na água fria e convida Olli para se juntar a ela. Existe um belo vigor juvenil no filme.

A direção possui muitos outros méritos. O trabalho com os atores é impecável, os planos fixos funcionam muito bem para mostrar a solidão de Olli em espaços vazios, e o steadycam acompanhando as andanças do personagem pelos corredores são de um controle estético raro (a cena da pipa na floresta, em especial, é majestosa). A fotografia, de um preto e branco contrastado e granulado, lembra os melhores retratos de Frederick Wiseman, enquanto a montagem cirúrgica não faz uma única cena durar mais do que deveria. Como produção, O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki constitui um sucesso completo.

A aguardada luta contra um boxeador mais experiente constitui o clímax da produção, quando o roteiro aproveita para passar a perna no público uma última vez. Não ocorre nada do que se esperava, mas a escolha do roteiro é justificável, sendo coroada por uma fotografia deslumbrante. Com poucas palavras e simples olhares, a conclusão reflete sobre os sentimentos confusos dos personagens e sobre a maneira de lidar com as regras impostas pela sociedade. Como nos filmes libertários dos anos 1960 – a Nouvelle Vague e o novo cinema americano de John Cassavetes parecem ser influências diretas – termina-se de modo aberto, abraçando a decisão pouco racional de Olli. Partindo de uma premissa comum, Kuosmanen construiu uma obra de estética e humanismo apaixonantes.