Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
O Estudante

O fanatismo religioso

por Bruno Carmelo

“Por que os muçulmanos estão dispostos a morrer por sua fé, mas os cristãos não?”. Esse é um dos questionamentos de Veniamin (Petr Skvortsov), um adolescente recluso que descobre a religião católica e se torna, em pouco tempo, um adepto fervoroso. Ele admira na Bíblia a violência, a imposição de regras e o senso de espetáculo. Decorando rapidamente os versículos do Antigo Testamento, o garoto decide lançar uma cruzada contra o pensamento progressista em sua cidade.

O principal alvo do estudante é uma professora de biologia, Elena (Viktoriya Isakova), que defende o darwinismo, o Big Bang, a educação sexual... Veniamin passa a interromper as suas aulas, gritando, pulando nas mesas, ficando pelado ou vestindo-se de macaco para questionar a teoria da evolução. Para a surpresa da educadora, a conservadora direção da escola defende o aluno. “Você poderia ensinar que o criacionismo também é uma possibilidade”, solicita a diretora.

Baseado numa peça de teatro, O Estudante arma um ringue para que duas grandes ideologias se ataquem entre gritos e tapas. O arrogante protagonista quer vencer a briga pela retórica religiosa, declamando dezenas de livros bíblicos, capítulos e versículos, cujas referências são estampadas na tela para a comprovação do espectador. Quando encontra jovens de biquíni na aula de natação, condena-as por não serem recatadas como prega o texto religioso, quando ouve falar em sexo antes do casamento, cita outro trecho referente à castidade antes do matrimônio.

Veniamin acaba vencendo as pessoas ao redor pelo cansaço, assim como o filme corre o risco de cansar o espectador pela repetição. A discussão é interessante, mas o diretor Kirill Serebrennikov se apoia em ferramentas narrativas inverossímeis para aumentar a tensão: é improvável que mais nenhum professor da escola apoie Elena, assim como é injustificável que o garoto desenvolva o fanatismo religioso do dia para noite, sem nenhuma influência externa. O Estudante funciona como um experimento, no qual os ratos de laboratório são colocados num ambiente artificial para serem observados pela lupa do cineasta.

Em termos estéticos, Serebrennikov usa os recursos de um suspense de ação, com fotografia contrastada e saturada, música invasiva (com direito a heavy metal gospel), montagem frenética, câmera na mão acompanhando cada gesto dos personagens. Este projeto lembra A Onda e A Experiência, filmes alemães que também partiam de premissas pouco realistas (“E se a turma de um colégio passasse a defender o nazismo hoje em dia?”, “E se cidadãos comuns fossem distribuídos aleatoriamente em uma prisão, como guardas e detentos?”), para ver como a situação se desenvolveria.

Temos portanto um exercício de moral, e também um exercício moralista. A conclusão será chocante ou reconfortante, dependendo do ponto de vista do espectador, a partir do momento em que o roteiro declara um vencedor. Um deles tem o seu discurso reafirmado, valorizado, enquanto o outro é destituído de tudo que mais ama, com direito a humilhação pública. O cinema de conflitos morais sempre foi apaixonante – Michael Haneke que o diga – mas O Estudante toma a decisão mais questionável neste contexto: apoiar um dos dois lados da disputa.

Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2016.