Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Heartstone

Os dilemas da puberdade

por Bruno Carmelo

Os amigos Thor (Baldur Einarsson) e Christian (Blaer Hinriksson) nadam, passeiam pelas planícies, pescam peixes, destroem um carro abandonado a pauladas. A câmera acompanha cada gesto dos pré-adolescentes: o movimento dos cabelos molhados, os passos das caminhadas, o braço que levanta um pedaço de ferro e o abaixa sobre o vidro do carro. Até o final, a câmera jamais abandona o corpo dos garotos. Nesta chave intimista, Heartstone oferece um retrato desesperançoso da passagem à idade adulta.

O jovem diretor islandês Gudmundur Arnar Gudmundsson decide restringir à dupla central não apenas a câmera, mas também o ponto de vista. Por isso, não vemos mais do que eles veem, não compreendemos o mundo se eles também não o compreendem. Durante um mês de férias, Thor e Christian enfrentam os dilemas típicos da puberdade: o primeiro beijo, a primeira experiência sexual, a autoestima em relação ao corpo, a popularidade com os colegas. Eles estão confusos quanto a si mesmos e quanto às regras do mundo adulto, navegando de modo desengonçado entre as esferas privada e pública.

Um dos maiores méritos de Heartstone reside na capacidade de retratar dezenas de personalidades diferentes sem julgamentos de valor. Os personagens julgam uns aos outros o tempo inteiro, porém o roteiro tenta compreender as dores de cada um: a mãe de Thor é considerada a “vadia do vilarejo” por ser uma mulher divorciada de vida sexualmente ativa, mas o texto faz questão de ressaltar que seus relacionamentos não prejudicam o afeto materno; o pai de Christian desenvolve um comportamento homofóbico, em partes por não saber como lidar com a possível homossexualidade do filho. Os adolescentes se testam o tempo inteiro, como se pudessem encontrar nos limites do outro uma baliza para seu próprio comportamento.

O roteiro concentra-se obsessivamente nas descobertas sexuais: quase toda cena discorre sobre beijo, masturbação e construção da masculinidade, com poucos momentos de descanso. Felizmente, Gudmundsson consegue equilibrar a unilateralidade do tema pelo belo trabalho com o elenco inexperiente. Baldur Einarsson, em particular, demonstra uma energia palpável, enquanto as garotas Diljá Valsdóttir e Katla Njálsdóttir estão muito confortáveis com seus gestos e falas. A montagem imprime bom ritmo à trama de mais de duas horas, na qual nada parece arrastado nem acelerado.

É curioso que, devido ao retrato brutal da juventude, Heartstone seja um filme desprovido de poesia. Parte da crítica considera “poético” tudo que esteja relacionado a belas paisagens e trilha sonora delicada – algo em abundância aqui – porém os cenários funcionam como pano de fundo ao invés de elementos produtores de significado. O roteiro não atribui duplos sentidos a objetos, gestos, cenas: tudo é de um imediatismo violento. O diretor reserva à cena final a sua primeira e única metáfora, belíssima, espécie de suspiro muito bem-vindo após duas horas de claustrofobia.