A burguesia em close-up
por Bruno CarmeloNo momento em que as comédias brasileiras estão tomadas por produtos de formato televisivo ou teatral, que apenas reproduzem preconceitos sociais, o humor de cunho político é particularmente bem-vindo. Em especial, se ele for dirigido por Ugo Giorgetti, cineasta que brincou muito bem com o absurdo em filmes como Sábado e Festa. Por isso, a história de um grupo de pessoas ricas, presas no centro de São Paulo e morrendo de medo de todos ao redor, parecia um prato cheio para o diretor.
É uma pena, portanto, que o resultado decepcione tanto. É comum uma obra política partir de uma premissa absurda e desenvolvê-la de modo realista (como Ensaio Sobre a Cegueira) ou, pelo contrário, partir de uma premissa realista e desenvolvê-la de modo absurdo (como O Anjo Exterminador, referência explícita para o filme brasileiro). Mas Uma Noite em Sampa começa de modo absurdo, e depois se torna ainda menos lógico ou verossímil. A trama ocorre após uma peça de teatro, quando um grupo de ricos visitantes tenta entrar no ônibus turístico que os trouxe, para voltar para casa. Mas o veículo está trancado, e o motorista não aparece.
O que uma pessoa sensata faria numa situação dessas? Giorgetti pega as soluções mais óbvias, envolvendo telefones celulares, carteiras, táxis, passantes e mendigos, e simplesmente os elimina de modo difícil de acreditar, mesmo neste contexto específico. Afinal, nenhum daqueles personagens se parece com uma pessoa de carne e osso, apenas estereótipos ambulantes: temos o policial raivoso, a gostosa burra, o hipster otimista, a mulher sádica que adora histórias de crime. Esta não é uma visão crítica, mas uma caricatura: o cineasta retira dos personagens sua humanidade para transformá-los em marionetes.
Por falar em marionetes, o ápice desta abordagem deveria se encontrar na presença de manequins entre os atores. O potencial deste estranhamento é imenso, por comparar a rigidez moral da burguesia com a apatia dos bonecos. A fotografia dessaturada efetua esta analogia, mas o roteiro é incapaz de explorar este recurso. Os manequins aparecem pouco, de modo desordenado, sem provocar fricções no discurso. Isso porque o tom está completamente irregular: os atores, exageradíssimos, parecem estar num programa cômico da TV aberta, mas a fotografia sugere um suspense. A música também causa tensão, enquanto o som surreal sugere uma São Paulo sem pessoas nem barulhos, apenas sons de grilos (!) ecoando pelo centro da cidade.
Enquanto isso, Giorgetti limita-se a fechar os enquadramentos no rosto dos personagens, em banais close-ups. A dinâmica da mise en scène é preguiçosa: em cada cena, uma dupla de personagens se aproxima da câmera e profere seus diálogos, enquanto o resto do grupo, ao fundo, não possui ações para preencher o tempo de espera. Uma Noite em Sampa fracassa ao lidar com os elementos mais importantes do cinema: o tempo, o espaço e a construção da imagem. A montagem não decide se pretende mostrar o cansaço pelo tempo real ou pelas elipses, o espaço é incrivelmente mal retratado pelos enquadramentos (a cidade mais parece um estúdio), enquanto a imagem carece de dinâmica, ritmo, plasticidade. E nem vamos falar da qualidade dos diálogos...
Por fim, esta é uma comédia que não faz rir, e uma crônica social que não traz questionamentos relevantes por trás do deboche de classes. Fica a impressão de que o projeto não estava pronto para ser filmado, como se o roteiro ainda estivesse num tratamento inicial. Isso é uma pena, porque a premissa possuía potencial, e Giorgetti era a pessoa certa para abordar o tema com complexidade e apuro visual.