Casais felizes são todos iguais
por Bruno CarmeloEsta comédia romântica ocupa um espaço singular no gênero. Ela tem sido apresentada como uma produção comum, daquelas que alternam quiproquós cômicos e dramáticos impedindo a união de um homem e uma mulher que todo espectador deduz que ficarão juntos, mais cedo ou mais tarde. Mas Roteiro de Casamento não é assim. Pelo menos, não durante dois terços da narrativa.
A história apresenta um astro famoso, embora um pouco decadente: Fabián Brando (Adrián Suar), admirado pelo público graças à imagem pública de garanhão charmoso. Quando aceita trabalhar num drama banal, após muita pressão de seu agente, deve lidar com uma atriz insegura e pouco talentosa, Florencia Córmick (Valeria Bertuccelli), que só conquistou o papel por ter um caso com o diretor. Os dois se aproximam por se sentirem deslocados neste projeto, e diante do comportamento agressivo do diretor, acabam se aproximando. Fabián e Florencia não demoram a se casar: para ele, é a oportunidade de voltar aos holofotes, para ela, é a chance de ser protegida por uma figura admirada.
O roteiro passa rapidamente por essa parte para chegar ao que realmente interessa: a decepção amorosa. Após a cerimônia, ela descobre a insegurança e infantilidade do marido e decreta: “Eu me casei com um imbecil!” (título original do filme). Começa então o aspecto mais interessante de Roteiro de Casamento: a brincadeira com as aparências, tanto do amor, quanto do cinema. No caso amoroso, ele finge ser muito mais caridoso e gentil do que realmente é, para conquistá-la, e quando ela descobre a farsa, trata de ser ainda mais amável que ele, chegando ao limite do ridículo. Os dois transformam-se em caricaturas grotescas do casal burguês e apaixonado.
O espectador, ciente de todas as artimanhas, acompanha o jogo de falsidades e cinismo, que aproxima a ilusão do cinema da ilusão do amor. O filme mantém o carinho pelos dois personagens principais, sem ridicularizá-los como fazem algumas comédias populares brasileiras. Aqui, os personagens são patéticos, mas certamente bem intencionados, embora não consigam se desvencilhar das máscaras atribuídas a eles. Os dois atores transitam muito bem por estes registros: Suar faz o tipo abobalhado sem transformá-lo num palhaço, enquanto Bertuccelli resgata a doçura de uma mulher instável e carente.
É uma pena que, após o humor inteligente, o terço final recorra à comicidade fácil e vulgar. Subitamente, o roteiro introduz o humor físico e a escatologia, rebaixando os personagens até então tridimensionais a marionetes de uma farsa óbvia (vide as cenas da cegueira, do remédio, da terapia). Talvez este tenha sido o compromisso efetuado pela produção para obter maior bilheteria: aceitou-se criar uma boa trama metalinguística contanto que, no final, o público fosse tratado de maneira paternalista novamente.
Roteiro de Casamento se encerra com uma cena talvez irônica, talvez romântica. Se ela dialogasse apenas com a parte inicial da trama, seria a cereja no bolo da desconstrução da ideia de amor perfeito. Mas por vir logo após um segmento tão pobre em construção de personagens, soa como uma adesão a este amor ideal. O filme ameaça voar alto, algo tão necessário nas comédias atuais, mas depois se contenta com os velhos clichês.