Amores tristes
por Bruno CarmeloO início de Alaska desperta as melhores impressões. Fernando (Rafael Sieg) sai do carro parado e caminha rumo a um beiral distante. A câmera permanece no banco de trás, observando ao fundo o sujeito melancólico. Logo, percebemos que o carro se encontra sobre uma embarcação cujos movimentos levam Fernando e o olhar do espectador para novas paisagens. A guinada do barco funciona como movimento de câmera. O drama se abre sob a ótica da contemplação, algo confirmado em seguida pelos arranjos feitos com Ana (Bela Carrijo) via narração off (equivalente a conversas telefônicas) para que ela siga viagem com ele.
O melhor aspecto do filme se encontra em seu tratamento do espaço e do tempo. O diretor Pedro Novaes sabe observar um “Brasil profundo” (no caso, Goiás e a Chapada dos Veadeiros) sem idealização, apenas um forte senso de tristeza que representa a psicologia dos dois ex-amantes. Os percalços habituais do road movie - um pneu furado, a descoberta de ter tomado a estrada errada - são mantidos sob as rédeas firmes da narrativa agridoce, trabalhando com bons saltos temporais e potentes momentos de silêncio entre ambos.
Em paralelo, os diálogos transparecem uma naturalidade rara de encontrar no trabalho de cineastas estreantes. Os encontros entre Fernando e o caseiro da fazenda resultam em conversas cotidianas plenamente verossímeis, com o ritmo e os jargões de uma prosa improvisada. Graças à naturalidade dos não-atores em cena, é possível acreditar naquele ambiente, no fato de estes homens praticarem a atividade rural há muito tempo, e nos vínculos paternos que unem o protagonista à fazenda. Mesmo as conversas entre Fernando e Ana são econômicas, truncadas, transparecendo as lacunas entre o casal que se amou no passado, mas se separou.
Para um projeto que transparece naturalidade, Alaska apresenta alguns ruídos na direção de fotografia, acentuados pela montagem. O tratamento de luz é bastante desigual entre planos de uma mesma cena, especialmente nos vinte minutos finais. Os viajantes conversam com passantes enquanto um forte sol bate em seu rosto, apenas para virarem no contraplano e se encontrarem na sombra total. As imagens da natureza sofrem a mesma indefinição entre sol e sombra, entre iluminação direta e difusa. A montagem, intercalando entre estes momentos, ressalta as deficiências de produção.
No entanto, o elemento mais incômodo se encontra na construção da personagem feminina. Enquanto Fernando possui um passado, uma relação com o pai e com a fazenda, Ana se torna apenas a mulher que o acompanha. Ela se oferece para a viagem e, quando o ex-namorado diz que precisarão ficar muito mais dias do que o previsto, ela apenas consente. Do que Ana abriu mão para embarcar nesta jornada? Ela não possui trabalho, casa, amigos, cachorro, estudos? Mesmo uma possível situação de agressão física (a carona no início) é ignorada sem preocupação com a jovem. Ana se torna a figura que acorda com Fernando e dorme com ele, sorrindo ao lado do rapaz sem demonstrar opinião contrária, nem vontade própria. Num road movie com apenas dois personagens principais, é grave transformar a mulher numa figura acessória, que se limita a orbitar ao redor do homem principal.
Mesmo assim, é interessante perceber que Alaska acerta onde a maior parte das produções independentes se perde: no senso de ambientação, no uso dos espaços como metáfora para os sentimentos dos personagens. Novaes é certamente um diretor talentoso pelo modo como conduz atores e pela ambição no trabalho da linguagem cinematográfica. Falta apenas um refinamento no roteiro e um controle da coesão e organicidade do projeto na intenção de evitar a presença de alguns planos que inexplicavelmente sobreviveram à mesa de montagem, e que prejudicam bastante o resultado.