Amor (e pancadaria) à segunda vista
por Aline PereiraQuem diria que um simples artigo poderia fazer tanta diferença entre o Esquadrão Suicida de 2016 e O Esquadrão Suicida de 2021.Em um espetáculo criativo e ultraviolento, James Gunn chutou todos os baldes (de tripas e sangue) que ficaram guardados em seus últimos anos na Marvel para nos levar a uma aventura que é tão grotesca, quanto divertida e até adorável, na medida do possível. E embora a ideia de trazer uma nova versão do filme assim tão rapidamente tenha sido recebida com alguma desconfiança pelo público, a nova produção da Warner Bros. prova que uma segunda chance, às vezes, vai muito bem.
Em O Esquadrão Suicida, um grupo de supervilões é recrutado pelo governo para uma missão em uma ilha remota da América do Sul. O objetivo, informado pela comandante Amanda Waller (Viola Davis) é chegar a um projeto ultrassecreto, que ameaça a segurança do mundo e, em troca, os prisioneiros têm a pena diminuída. A premissa é a mesma do filme de 2016 e o novo longa até aproveita que o público já está familiarizado com a ideia do esquadrão para tornar a introdução mais dinâmica e dar início à ação.
As semelhanças entre as duas histórias ficam por aí: embora alguns elementos apontem uma conexão (com ares de sequência) entre um filme e outro, especialmente pelo retorno de alguns personagens, é incrível que a mesma árvore possa ter rendido frutos tão distintos. O novo filme acerta ao deixar de lado qualquer tentativa de nos fazer levá-lo a sério e, ao contrário, abraça o caos e o absurdo para cativar pela curiosidade mórbida - “como será o banho de sangue da próxima cena?”, é uma pergunta que você se fará durante duas horas.
As reviravoltas são tão escandalosas e vêm em um ritmo tão fluido, que o sentimento ao acompanhar a história é de que qualquer coisa pode acontecer - um fator que trabalha bastante a favor do filme. A sensação de perigo iminente e risco aos personagens é muito palpável e, sem conseguir prever logo de cara quem vai viver e quem vai morrer, é fácil embarcar na história, torcendo para que nossos heróis se saiam bem.
Heróis?
Embora os vilões protagonistas tenham sido figurinhas carimbadas nas produções hollywoodianas, sem dúvidas há um desafio em tornar esse tipo de personagem o centro da história sem fazer com que o lado perverso se perca. Em O Esquadrão Suicida, a vilania fica “só” por conta do sadismo em combate: não basta neutralizar os inimigos, as formas de matar vão ficando cada vez mais tenebrosas - uma herança que James Gunn certamente traz de seus tempos de horror gore em Madrugada dos Mortos e Tromeo & Juliet.
Mas no que diz respeito ao espírito dos personagens, o que encontramos na realidade é muito mais um grupo de desajustados (alô, Guardiões da Galáxia!) que, quando não estão sendo assassinos implacáveis, são surpreendentemente adoráveis. Sanguinário (Idris Elba) funciona como um líder da missão, substituindo o papel de Will Smith e curiosamente também com um dilema familiar em sua história. Sem dúvidas um dos nomes mais talentosos da geração, o tipo sisudo do ator forma uma combinação brilhante com o ar brucutu e pastelão de John Cena, ótimo no papel do vigilante Pacificador.
Bolinha (David Dastmalchian), Caça-Ratos 2 (Daniela Melchior) e o tubarão Nanaue (com a voz de Sylvester Stallone) completam o time de novatos no Esquadrão com superpoderes tão esdrúxulos que, aqui, o filme nos pega pela curiosidade de entender para que se servem e como serão usados. O resultado é puro deleite e bizarrice, levando-se em consideração que essas habilidades incluem lançamento de confetes coloridos e controle de ratazanas.
Ah sim, a Arlequina: Personagem de Margot Robbie brilha ainda mais
Se Esquadrão Suicida ganhou uma segunda chance, Margot Robbie foi certamente uma das razões para justificar um novo investimento milionário tão cedo na marca da DC. A Arlequina não só saiu praticamente ilesa da avalanche de críticas ao filme de 2016, como ganhou seu filme-solo e, agora, ainda mais espaço para brilhar. Dona do carisma já inquestionável que chama o público ao cinema, a atriz protagoniza cenas de ação que elevam mais a personagem e seu peso como artista - com um novo figurino que certamente ainda veremos em muitos cosplayers.
Vale destacar o bom trabalho que James Gunn faz em equilibrar a presença da personagem: o filme poderia facilmente ter se transformado em uma aventura da Arlequina acompanhada pelo Esquadrão Suicida, mas o roteiro encontra formas de fazê-la brilhar (mesmo porque seria impossível impedi-la) sem transformá-la a única protagonista da história, o que torna o conjunto da obra mais dinâmico.
O Esquadrão Suicida tem uma "moral da história"
Para um filme com tanta violência gratuita e boas doses de humor da sexta série (que é ótimo e até inclui piadas sobre millennials), O Esquadrão Suicida tem uma moral da história bem sólida e que, pode até soar estranho, mas o coloca em um lugar particular dentro do gênero de filmes de super-heróis. É difícil detalhar essa questão sem spoilers porque é um ponto que surge mais à frente na história, mas vale se atentar à forma como ele se distancia do senso de moralidade e justiça que o gênero cinematográfico costuma trazer.
Quem assistiu à série The Boys provavelmente vai identificar alguns desses pontos espalhados pela trama que parecem entender melhor como humanos e outros seres superpoderosos realmente seriam usados no mundo real e a quem estariam servindo.