A função do homem é proteger
por Bruno CarmeloUm assassino de aluguel aposentado. Ele jurou a si mesmo que jamais aceitaria outro trabalho, porque convive com o trauma de não ter protegido a mulher amada, mãe de seu filho. Mesmo assim, contra a sua vontade, embarca em mais um caso, dizendo que “desta vez é o último”. Por um lado, ele precisa de dinheiro. Por outro, esta seria a possibilidade de se redimir e reafirmar a vocação de patriarca protetor diante de uma nova mulher e uma nova criança em perigo. Logo, ele empunha armas e enfrenta exércitos de homens altamente qualificados, mas que nunca conseguem matá-lo.
Este ícone do cinema-macho norte-americano foi interpretado por vários atores nos últimos anos: Nicolas Cage, Liam Neeson, Kevin Costner, Keanu Reeves. Agora, Ethan Hawke traz a sua contribuição ao arquétipo, e faz o melhor que pode, evitando a construção do galã dotado de “habilidades especiais”, preferindo a imagem menos virtuosa do sujeito indiferente ao mundo por ter perdido a esposa e filhos. “Um homem sem família não tem nada a perder”, afirma o vilão a certa altura da trama. Ele tem razão: sem uma pessoa mais frágil para proteger (mulheres e crianças), este herói se torna inútil, como é o caso de Travis Conrad (Hawke) no início desta história. O protagonista de ação precisa investir numa longa jornada pessoal, até estar exausto, ferido e coberto de sangue, diante do grande vilão. Sem isso, sua vida não possui sentido, nem função narrativa.
Um Dia Para Viver não ganha pontos pela originalidade. O diretor Brian Smrz reforça todos os clichês esperados: as cidades exóticas são apresentadas em grandes planos aéreos de favelas e praias; as mulheres são sedutoras e fatais, mas ainda precisam ser salvas pelo mocinho; os homens perigosos lançam ameaças uns ao outros com voz rouca e sussurrante; a trilha sonora irrompe sempre que alguém encosta num revólver; os diálogos privilegiam frases de efeito sobre a alma ou a mortalidade. As roupas dos homens servem para ocultar revólveres e facas, as das mulheres servem para serem despidas e revelarem os corpos nus sob o chuveiro.
A suposta novidade do projeto é curiosamente descartada ao longo da trama. A ação anuncia o contato com ficção científica através do recurso de um chip implantado sob a pele de Travis, permitindo comprovar que tem apenas 24 horas para viver. Ferramentas do tipo costumam ser usadas para filmar bombas desativadas a poucos segundos da detonação, confissões de última hora ou procedimentos cirúrgicos tentando retirar o implante. Para a nossa surpresa, a produção evita os prazeres do gênero neste quesito. A contagem é descartada, as poucas horas de vida importam pouco. O procedimento médico poderia ser retirado na montagem sem prejuízo à trama. A indiferença de Travis em relação à própria vida tampouco ajuda o uso da contagem regressiva como fonte de conflito.
Aliás, para uma história baseada em corporações tecnológicas e derivas humanitárias da guerra - questão jamais desenvolvida, vale dizer -, a representação da ciência se revela simplista. Aviões podem ser parados com um clique no celular, listas de passageiros de um voo aparecem na tela em questão de segundos, com foto ilustrativa. Cirurgias complexas não requerem recuperação, ferimentos de bala não causam grande impacto no corpo. A busca quase sádica pela resistência humana no cinema leva a personagens no limite do cômico graças à quantidade de tiros que levam, mas não os impedem de levantar e continuar lutando. O homem, especialmente o militar, protetor e sexualizado, adquire capacidades sobre-humanas.
As maiores virtudes de Um Dia Para Viver se encontram no prazer assumido da carnificina: sem a preocupação de agradar um grande número de pessoas - o filme foi lançado diretamente em home video na maior parte dos mercados - Smrz se diverte com a classificação etária restrita a menores de idade. O cineasta compõe cenas de tiros e explosões bastante sangrentas, enquanto a equipe de som capricha no impacto de cada bala atravessando as dezenas de corpos à disposição. Ironicamente, o filme com cara de VoD traz efeitos sonoros que merecem ser ouvidos no cinema. Talvez ele não consiga se distinguir o suficiente de outros títulos do gênero, e seja prejudicado pela comparação com obras mais ambiciosas, especialmente as de Jaume Collet-Serra (Desconhecido, Sem Escalas). Mesmo assim, para aficionados da virilidade à americana, o resultado deve agradar.