Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil

Raízes do Brasil

por Francisco Russo

Considerado um dos livros mais importantes do país sob o aspecto histórico e sociológico, "Raízes do Brasil", escrito por Sérgio Buarque de Hollanda, aborda com propriedade a formação do povo brasileiro. Ao vasculhar características da colonização portuguesa, somada à miscigenação resultante da escravidão, chega-se ao emblemático "homem cordial", ser que valoriza a emoção em detrimento da razão e que, apesar do lado afetuoso, possui uma certa resistência à hierarquia e às regras sociais. Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil pode ser encarado como uma continuação deste trabalho, no sentido de revelar uma história oculta - e sombria - desta mesma sociedade, que tanto revela sobre quem somos.

Construído a partir das investigações do professor de história Sidney Aguilar, este documentário dirigido por Belisario Franca parte de uma descoberta surpreendente: em uma fazenda no interior de São Paulo são encontrados tijolos com a suástica nazista. Como e por que são perguntas básicas, que levam à inevitável investigação sobre seus donos e antepassados. Trata-se do estopim de uma história que, mais do que remeter a questões do passado, serve para melhor compreender e até indagar a sociedade do presente em relação a uma de suas mazelas mais dolorosas e oficialmente renegadas: o racismo.

O encontro com Aloísio Nunes (foto ao lado), um senhor de idade, é sintomático. A recusa em falar sobre o que aconteceu no orfanato Romão de Matos Duarte e na fazenda Cruzeiro do Sul revela a dor contida, o desejo de esquecer algo impossível de ser deixado para trás. A insistência e os fatos documentados apresentados por Aguilar acabam por convencê-lo a desvendar a inacreditável história de um grupo de garotos, todos negros, "adotados" por um fazendeiro branco para que lá pudessem "estudar" e "se desenvolver". Em plena república, todos se tornaram escravos - em uma época, é bom lembrar, que a abolição havia sido assinada há décadas.

Por mais que a história pregressa de seu Aloísio e os demais meninos seja chocante, pela escravidão imposta em um período em que as leis asseguravam a liberdade e a igualdade racial, Belisario França não se atém apenas ao seu simples relato e, aos poucos, utiliza o fato para entender o porquê disto ter acontecido. É nesta investigação que se revela uma sociedade preconceituosa, disposta não apenas a descumprir leis mas também a ignorar toda e qualquer questão humanitária ao tolerar a escravidão em seu convívio diário. O paralelo com o nazismo, representado através do partido integralista, traz para o Brasil a associação com teorias abjetas como eugenia e supremacia branca. Mais ainda: tais questões são manipuladas politicamente, de forma a obter o maior proveito possível em um contexto de guerra mundial.

Como um imenso soco no estômago, Menino 23 desnuda práticas silenciosas da sociedade brasileira, que repercutem até os dias atuais pela falta de oportunidades e o desinteresse na integração racial e econômica aos menos favorecidos. Um filme contundente e necessário, potencializado pela trilha sonora pesarosa e o cuidado estético nas sequências de transição entre os depoimentos gravados e imagens de época, para entender o quanto o racismo está entranhado na história e no jeito de ser brasileiro.