Estreia com sustância
por Renato HermsdorffTerra Selvagem parece o resultado de duas forças em constante atrito. De um lado, o diretor estreante Taylor Sheridan busca entregar um trabalho que não seja apagado da memória do espectador no momento em que a luz dos cinemas é acesa (ele quer imprimir autenticidade); por outro, parece ceder a pequenas concessões que visam a não afugentar o público médio (o que resulta em uma certa falta de originalidade). Felizmente, ele vence esse cabo de guerra.
Não confunda estreante com inexperiente. Apesar do debut, Sheridan é um cara com bagagem. Conhecido pelo papel do xerife David Hale da série Sons of Anarchy, ele ganhou projeção recentemente como roteirista, responsável pelos textos de Sicario - Terra de Ninguém e A Qualquer Custo (pelo qual foi indicado ao Oscar). O que explica o fato de que, mesmo trabalhando para um grande estúdio (a Weinstein Co. no caso de Terra Selvagem), ele parece ter feito prevalecer a sua vontade. E o resultado imediato foi o prêmio de melhor diretor recebido no último Festival de Cannes, dentro da mostra "Un Certain Regard".
Pois bem. Wind River (no original) se passa em uma pequena comunidade dos Estados Unidos, com uma forte presença de descendentes dos indígenas. É lá que vive o caçador Cory, interpretado por Jeremy Renner. Convocado para dar cabo de um animal que vem dizimando o gado de um habitante, no caminho, ele acaba se deparando com o corpo de uma jovem. Nesse ponto, o FBI precisa ser chamado. É aí que entra a agente Jane (Elizabeth Olsen). Perdida, a forasteira pede ajuda ao local - ele, que já tem que lidar com seus próprios traumas.
A partir de uma ideia original (louvável em tempos de sequências, reboots e remakes), Sheridan procura dar voz a um povo a quem as estatísticas não ouvem. Os indígenas (e a vítima da trama, fictícia, faz parte desse povo) são o único grupo demográfico que não conta com recenseamento próprio no que tange às taxas de homicídio contabilizadas na América. E é daí que a produção - cujo roteiro também é de autoria do diretor - faz “sua parte”
Independente - não que ele seja menos importante, claro - do aspecto social, é o domínio das técnicas do storytelling o que chama a atenção em Terra Selvagem. Seguro na direção, Taylor Sheridan conduz o espectador para desvendar, junto com os personagens, o mistério que envolve o enredo do longa. Sem grandes arroubos, sem pirotecnia ou enrolação - e com um inteligente ponto de virada -, o resultado é um envolvente "filme de detetive". É na economia que está o grande trunfo do trabalho do realizador.
A equipe do longa aproveita de maneira oportuna o entorno nevado das locações para recriar um ambiente igualmente frio, duro, direto, seja na fotografia ou na narrativa, o que significa dizer que evita o sentimentalismo piegas comum a esse tipo de produção.
Ainda assim, o texto não escapa de alguns diálogos pobres, baseados em frases de efeito (é quando os produtores costumam puxar a corda com mais força). E, embora as performances não sejam de chamar a atenção, a escalação de Olsen como a policial não parece a escolha mais adequada. A intérprete da "Feiticeira Escarlate" (Os Vingadores) exagera um tanto no tom. Nem por isso, tais aspectos invalidam a experiência do filme.
Uma boa estreia, Terra Selvagem é o suplemento que Taylor Sheridan precisava para ganhar mais músculos no próximo cabo de guerra em Hollywood.