Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
O Reencontro

Os opostos se equilibram

por Bruno Carmelo

Em francês, o termo “sage femme” pode ter dois significados. Com hífen, diz respeito à profissão de parteira, exercida há décadas por Claire (Catherine Frot) em hospitais públicos de Paris. Sem o hífen, significa “mulher sábia”, expressão que também se encaixa muito bem à personagem prudente e reservada. Claire não bebe, não fuma, não se excede em conversas e foge de conflitos: depois de brigar com a mãe, simplesmente não a vê mais. Rígida ao extremo, conduz sua vida de maneira irretocável moralmente, mas também um tanto solitária.

O roteiro de Martin Provost acredita que a protagonista precisaria relaxar um pouco, por isso envia em seu caminho uma figura simetricamente oposta: Béatrice (Catherine Deneuve), mulher próxima dos 70 anos, extravagante, inconveniente, sem domicílio fixo e acostumada a diversas aventuras amorosas. Por acaso, um dos homens com quem Béatrice se relacionou foi o pai de Claire. Assim, quando descobre ter uma doença terminal, a mulher volúvel pede ajuda à filha de seu antigo amor, por não ter mais ninguém em sua vida. Por trás da fachada alegre, esconde-se uma mulher igualmente solitária.

Sage Femme segue uma cartilha previsível. É óbvio que o encontro das duas figuras vai provocar atritos, é esperado que a hóspede recuse a intromissão da outra. Porém também é evidente que, após certo tempo, as duas atenuam as arestas de suas personalidades: a parteira intransigente quebra algumas regras, solta os cabelos presos e se abre ao amor, enquanto a mulher inconsequente adquire um pouco de responsabilidade. Olivier Gourmet, no papel do caminhoneiro Paul, entra na história numa função equivalente à da maioria das personagens femininas em Hollywood, servindo acessoriamente como horizonte afetivo à protagonista.

Apesar da receita tão clássica, Provost consegue oferecer momentos interessantes. Para cada exploração de clichês sentimentais existem cenas realistas que se encarregam de equilibrar o tom, assim como Béatrice e Claire equilibram uma à outra. Os retratos naturalistas de partos fornecem os melhores instantes do filme, aproximando o cineasta de um registro social ao qual não está acostumado, mas que desempenha bem. No entanto, a montagem associa cada cena intensa a outra banal, a exemplo dos amantes se beijando na cama improvisada, até o móvel quebrar e ambos se matarem de rir. Sage Femme não brinca com o espectador: você tem otimismo garantido, ou seu dinheiro de volta.

Com um elenco destes, é esperado que toda a divulgação do filme se baseie na presença das duas grandes atrizes. Catherine Deneuve vinha interpretando mulheres contidas nos últimos anos, e agora volta a fazer um tipo sedutor. Frot, ao contrário, sempre foi acostumada ao papel de mulheres solitárias, mas vinha se soltando com figuras extravagantes como a cantora lírica Marguerite. Agora, as duas retornam aos seus terrenos seguros, em atuações competentes, porém sem surpresas. Sage Femme propõe um cinema do conforto, incapaz de gerar feridas se não for curá-las na cena seguinte. Trata-se, para o bem e para o mal, de uma visão de mundo bondosa e inofensiva.

Filme visto no 67º Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro de 2017.