Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Cuidado com o Slenderman

As vítimas criminosas

por Bruno Carmelo

Em 2014, um crime chocou os Estados Unidos: duas garotas de doze anos de idade esfaquearam uma colega dentro de uma floresta, deixando-a no local para morrer. Elas nunca se esconderam, nem mentiram sobre o caso, justificando a tentativa de assassinato pelo medo do Slenderman. Este monstro virtual, criado num concurso da Internet, pareceu real o suficiente para Morgan e Anissa. As amigas acreditaram que, caso não sacrificassem uma pessoa em nome da criatura, suas famílias seriam assassinadas.

O documentário da HBO parte desta história para investigar, em primeiro lugar, a personalidade das pré-adolescentes e, em seguida, desvendar o mito do Slenderman – um homem alto e sem rosto, que não pronuncia uma palavra sequer, mas persegue crianças com seus longos braços. Este último segmento é de longe o mais interessante: a diretora Irene Taylor Brodsky convida especialistas (psicólogos, filósofos, estudiosos das redes sociais) para debaterem o surgimento do vilão, tentando compreender de que maneira uma figura tão claramente falsa pode despertar tamanho interesse – uma mistura de medo, curiosidade e admiração – por parte dos jovens.

A cineasta busca farto material para comprovar a inserção da figura imaginária na cultura popular. O documentário investiga a criação das lendas urbanas e demonstra real interesse nos limites éticos das narrativas fictícias, ou seja, do próprio ato de contar histórias. Infelizmente, este segmento é minoritário dentro de Cuidado com o Slenderman. O olhar sociológico ocupa cerca de um terço do projeto, contra dois terços consagrados às garotas Morgan e Anissa, e aos seus respectivos pais. Na ausência das duas, encarceradas desde o crime, Brodsky deixa que os progenitores se tornem os verdadeiros protagonistas da história.

Por um lado, esta escolha é positiva: o filme procura não responsabilizar os pais pelo crime das filhas, enquanto evita o sentimentalismo esperado do tema. No entanto, seria preferível que a diretora não tomasse partido de nenhum dos lados, nem vilanizando, nem defendendo os pais e as garotas. Ora, o documentário toma claro partido das pré-adolescentes. Elas são apresentadas como meninas dóceis, solitárias, vítimas de bullying, enganadas por um sistema muito maior que elas. Na ausência de vozes dissonantes, desenvolve-se uma longa defesa de ambas, inclusive pelo diagnóstico de esquizofrenia de Morgan, apontado pelo documentário como motivo suficiente para sua soltura.

Ao mesmo tempo, Cuidado com o Slenderman não demonstra o menor interesse pela vítima imediata do caso: Peyton, a garota esfaqueada. É curioso que a direção ignore a menina que quase morreu na mão das outras duas. Outro elemento questionável no documentário é a qualidade de suas imagens: para um filme de porte considerável – esta é uma produção HBO, afinal – as entrevistas são captadas em baixa qualidade, através de Skype ao invés de depoimentos presenciais, enquanto a câmera acompanha a rotina dos pais num banal close-up tremido, típico das reportagens urgentes da televisão. O que justificaria este tom de urgência? Ao mesmo tempo, para que insistir tanto no depoimento das garotas, a ponto de esticar consideravelmente a duração?

O resultado é interessante em sua investigação do Slenderman como fenômeno cultural. Na época de Baleia Azul, menino do Acre, 13 Reasons Why, Black Mirror e tantas representações da relação perversa entre juventude e tecnologia, este projeto proporciona uma nova camada de reflexão. No entanto, a diretora poderia demonstrar maior esmero estético e preocupação em equilibrar o discurso. Documentários sobre embates morais dificilmente se saem bem quando abraçam apenas um dos lados envolvidos.