Cinema a qualquer preço
por Bruno Carmelo“Este é um filme de guerrilha”, explicou o diretor Dellani Lima, ao lado do codiretor Jonnata Santos, ao apresentar Planeta Escarlate na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O termo serve ao mesmo tempo como uma definição de marginalidade e uma tentativa acanhada de desculpas pela produção deficiente. De fato, os filmes de baixo orçamento constituem as obras privilegiadas deste festival que, com exceções de raros títulos da Globo Filmes (Através da Sombra) e Record Filmes (Jonas), foram financiados com pouco dinheiro, às vezes sem nenhum apoio público, nem privado.
O baixo orçamento, no entanto, não pode ser utilizado como desculpa para eventuais falhas do filme. A própria mostra de Tiradentes trouxe filmes excelentes feitos com verbas limitadíssimas, como Urutau e Jovens Infelizes, e no circuito comercial recente, Branco Sai Preto Fica e Ela Volta na Quinta foram exemplos de longas-metragens realizados com orçamentos típicos de curtas-metragens. Nestes casos, trata-se de projetos concebidos especificamente para as verbas restritas que possuem, desde a construção do roteiro ao trabalho da equipe técnica e do elenco.
Planeta Escarlate parece não se adequar à estética e ao discurso que gostaria de apresentar. A história gira em torno de um jovem casal (Jonnata Santos e Laila Pas) sofrendo com problemas de dependência química. Eles viajam ao sítio da família dele, onde encontram dois caseiros (Biagio Pecorelli e Edson Van Gogh) que reacendem conflitos passados. Neste contexto, anuncia-se no rádio a proximidade de um planeta capaz de levar a transformações de comportamento nas pessoas ao redor – exceto os índios, por alguma razão desconhecida.
Os elementos de ficção científica se misturam muito mal com o drama, ao passo que as questões da dependência de drogas e dos desarranjos de classes sociais são abordadas de maneira superficial. O projeto sofre com a falta de foco, graças ao roteiro mal desenvolvido que combina traços de misticismo, tensão sexual e fetiche pela violência sem qualquer coesão. Outro elemento incômodo é o machismo do projeto: as duas mulheres em cena são vistas apenas como objetos de desejo masculino. Nuas na maior parte da projeção, elas estão associadas a diálogos ofensivos como “Solta essa arma que eu quero o seu pau”, ou “Mulher linda não é de ninguém”.
A produção apresenta problemas graves em quase todos os aspectos técnicos, desde o trabalho amador de captação e mixagem de som à iluminação mal concebida, especialmente nas cenas internas e noturnas. O melhor aspecto de Planeta Escarlate encontra-se em dois atores: Biagio Pecorelli e Laila Pas, que apresentam cuidadosa composição de personagem, fazendo uso expressivo dos olhares, da voz e do corpo. As cenas envolvendo os dois personagens representam os pontos altos do filme. É uma pena que o protagonista seja interpretado pelo codiretor Jonnata Santos, perdido em cena numa atuação apática e repleta de falhas.
A noção de cinema de guerrilha justifica, com razão, a busca por linguagens experimentais, pelo “cinema a qualquer preço”. Neste sentido, compreende-se obras ousadas em termos estéticos e discursivos. Mas Planeta Escarlate não busca uma linguagem inovadora, nem a transmissão de um conteúdo particularmente subversivo. O projeto, por mais que transmita uma louvável vontade de viabilizar filmes apesar de limitações estruturais, precisa assumir a responsabilidade pelo nível de desenvolvimento de suas ideias e por sua construção artística.
Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.