Pelo que você luta?
por Barbara DemerovRocky Balboa utilizou sua força para entrar no ringue a fim de se superar. Adonis Creed utiliza sua força para entrar no ringue e se conhecer. Ou pelo menos tentar. É assim que a franquia Creed se completa com a de Rocky: com o intuito de apresentar um personagem tão crível quanto o Garanhão Italiano e entregar fraquezas tão intensas quanto suas vitórias, humanizando ainda mais todo o núcleo envolvido. Em Creed: Nascido Para Lutar vimos o início da relação entre Rocky e Adonis, assim como a grande parcela de nostalgia envolvida por toda a trajetória do lutador, já aposentado. Em Creed II, o diálogo entre a dupla vai além e Adonis toma a linha de frente de seu destino, mas uma pergunta também fica em destaque: "Para quem (e para o quê) ele está lutando?".
A sequência dirigida por Steven Caple Jr. não só desenvolve bem os dois personagens e suas questões pessoais como também reaproveita uma figura memorável da franquia: Ivan Drago, agora pai, que retorna na pele de Dolph Lundgren. Em Creed II, por mais intensas e bem filmadas que sejam, as lutas dos ringues vão para além de seus corners – a memória afetiva certamente fará o público viajar ao passado logo nas primeiras cenas sob o amanhecer na Filadélfia, mirando uma inevitável disputa à frente.
Unidos pura e simplesmente por questões de marketing, Drago e Balboa se enfrentam de outra maneira: através de Viktor Drago e Adonis. Dois jovens que, por mais talentosos que sejam, estão à sombra de um passado que os resume, mas apenas parcialmente. Viktor vive na busca de retomar o prestígio do pai que foi perdido após a luta com Rocky no quarto filme, enquanto Adonis não compreende o real motivo pelo qual está lutando. Aceitar a luta lhe fará mais digno de ser um Creed? O aproximará mais de seu pai Apollo ou de quem ele gostaria de ser? Ou melhor... Quem ele gostaria de ser?
Tais reflexões são postas à prova por quase todo o tempo e é isso que torna Creed II um dos filmes mais contemplativos desta saga, se não o mais. A importância de saber exatamente o que você está fazendo ali é o que move Adonis, que tenta absorver no desafio imposto por Viktor um sentido cabível para si mesmo. Enquanto isso, ele tem de lidar com as diferenças com Rocky (que não aceita lhe ajudar na luta contra Drago) e com os desafios pessoais junto de Bianca, sua noiva. Pode parecer que são muitos elementos para um só filme, mas a direção de Caple Jr. é fluida e sua visão valoriza cada punch e treinamento. A montagem une com esmero todas estas áreas da vida de Adonis, resultando em um drama comovente sem apelar para o melodrama. Michael B. Jordan e Tessa Thompson repetem o ótimo trabalho e a química cativante – assim como Sylvester Stallone permanece com a admirável sutileza em seu papel.
Algo muito positivo que a trama entrega é o fato de conseguir trabalhar bem os dois lados da luta. Em Rocky IV, a missão de ambos os lados era a de ser patriota (um filme marcante até hoje pela Guerra Fria). Porém, em Creed II, Rússia e Estados Unidos são meros detalhes. A missão aqui é pessoal e sua identidade se dá através de lutadores que receberam como "herança" ou a sede de vingança ou a ausência de identidade. Tanto Viktor quanto Adonis são vítimas de suas próprias histórias e isso fica cada vez mais claro com a falta de palavras que Drago expressa ou com o desespero interno – e crescente – de Creed. Por mais robotizado que pareça ser, Viktor converte esta imagem aos poucos (parecendo uma ironia à figura que Ivan emana no filme de 1985). Pequenas características como essa fazem o filme ganhar fôlego e entregar exatamente a mensagem que Rocky transmite: continuar seguindo em frente, sem chegar perto de soar piegas.
A humanização da família Drago é latente e começa a aparecer progressivamente na medida em que o enredo composto por Adonis é desenvolvido. De modo harmonioso, vemos que não foi só Rocky e Adonis que perderam algo ou alguém. Ivan ganha sua própria visão em Creed II e esta não é feita de forma pedante; é simplesmente humana. Portanto, partindo do pensamento que as relações interpessoais são o verdadeiro foco da trama desta sequência, não é injusto e nem depreciativo dizer que este é um filme de família. Pode parecer complicado entender de início, mas a família Drago entrega uma importante parcela da carga emocional que o roteiro possui.
Creed II mescla nostalgia com frescor e homenageia seus princípios na dose certa, além de reaproveitar uma trama já muito conhecida, fortalecendo-a com camadas de sensibilidade. Não há vilões nem heróis e, por mais que os golpes dados no ringue sejam o combustível de tudo e nos façam torcer por alguém, é o que vem depois do sino que possui mais força. A empatia, a vulnerabilidade e a compreensão também são personagens – e não há nada mais adequado do que isso numa franquia que sempre mostrou que a vida não é só demonstrar força o tempo todo.