Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Duas de Mim

Receita de bolo ruim

por Francisco Russo

Por mais que (ainda) não tenha se estabelecido como indústria, há algumas fórmulas no cinema brasileiro. Dentre elas, a de maior sucesso sem sombra de dúvidas é a comédia, na maioria das vezes calcada em um ícone popular que imprime sua personalidade a cada filme que realiza - que o diga Leandro Hassum, Fábio Porchat, Paulo Gustavo e tantos outros. Como não há muita diferença no estilo de humor empregado, fica a sensação de que estão sempre em uma certa zona de conforto, facilmente reconhecível independente do formato que se apresente, seja ele no teatro, na TV ou no cinema. É o comodismo por trás da fama, de forma a entregar ao público o que já está habituado, sem que haja qualquer risco.

Duas de Mim vai neste mesmo caminho, apostando firme em dois supostos trunfos: a versatilidade de Thalita Carauta, conhecida na TV como a Janete do Zorra Total e no cinema pelo belo desempenho no drama O Lobo Atrás da Porta, e a grife Cininha de Paula, veteraníssima da televisão que apenas agora, aos 64 anos, debuta como diretora de cinema. Para ambas, é fácil entender a atração pelo projeto. Se Thalita teria a chance de ser protagonista, e ainda por cima interpretando dois personagens, Cininha enfim poderia realizar o sonho em retornar às telonas, agora na função que a consagrou. O problema é que Duas de Mim é tão estereotipado que acaba sendo um tiro no pé para ambas.

Senão, vejamos: a história acompanha uma mulher batalhadora, que madruga para fazer quentinhas (e vendê-las, de porta em porta) antes de chegar ao trabalho em um requintado restaurante, onde não tem seu talento no fogão reconhecido. Mais do que isso: sofre todo tipo de pressão, seja econômico ou da própria família, que demanda sempre mais e mais. Um dia, ao retornar para casa, cruza na rua com uma vendedora - não por acaso, com ares de Mary Poppins - e, cansada do duro cotidiano, deseja que haja uma cópia de si. Uma mordida no bolo mágico e, voilá!, eis a réplica!

Intencionalmente ingênuo, Duas de Mim assume como regra básica a ideia dos humilhados serão exaltados, a partir de um contexto onde os endinheirados são automaticamente vilões mal-humorados - aqui, personificado pela dona do restaurante, a caricatura interpretada por Alessandra Maestrini. Não há cinza neste universo, todos os personagens são facilmente identificáveis entre mocinhos e vilões. Entretanto, mais do que tamanha obviedade, o que incomoda de fato é a dinâmica existente entre a versão original e sua cópia, que aos poucos passam a se digladiar tendo como motivo maior o fato da nova versão ser mais liberal, sexualmente falando - o que, por si só, já é motivo de torná-la uma vilã. Simples assim.

Tamanho conservadorismo pode ser notado em vários outros aspectos do longa-metragem, seja pela linguagem absolutamente televisiva ou pela ambientação comportada dos personagens, que lhes imprime um tom escancaradamente falso. Para piorar, o roteiro da dupla Carolina Castro e L.G. Bayão é de uma conveniência impressionante, com problemas narrativos decorrentes de lacunas de memória inexplicáveis, mesmo ao se considerar o flerte com o universo fantástico. O resultado é uma sucessão de piadas jogadas a esmo, para que Thalita Carauta se vire com tão pouco em cena - o que, em alguns poucos momentos, ela até consegue.

Diante de tantos problemas estruturais, um dos poucos acertos é a escalação de Latino como par romântico da protagonista. Não que ele entregue uma grande atuação, mas o contraste do humilde faxineiro com a persona pública do cantor é tão intensa que o baque potencializa sua presença, trazendo um frescor pelo risco assumido. Já o trecho inspirado no programa Masterchef tem seus momentos interessantes, especialmente quando Thalita é confrontada com os cozinheiros/apresentadores. É quando se pode ter um vislumbre do talento da atriz, extremamente mal aproveitado nas sequências esquemáticas em que contracena consigo mesma.

Raso e sem identidade, Duas de Mim é uma receita de bolo mal feita que resulta em algo absolutamente sem sabor (ou risos) para o espectador. Em sua primeira tentativa de enveredar pelo cinema, Cininha de Paula faz televisão de má qualidade ao insistir em fórmulas batidas que, mais do que a mera repetição, pregam um conservadorismo preconceituoso inaceitável nos dias atuais.