A natureza da representação
por Bruno CarmeloComo representar o vento? Como captar em imagens a sensação da passagem do ar? O ponto de partida deste documentário carioca é fascinante por lidar com paradoxos e limitações essenciais à imagem fotográfica: não se apreende o invisível, por isso, é necessário buscar formas – poéticas, científicas, metafóricas – de ilustrar o que os olhos não podem ver.
O documentário Aracati, das diretoras Aline Portugal e Julia de Simone, oferece diversas alternativas para este conflito essencial: primeiro, opta pelos efeitos do vento no ambiente (as árvores balançando, o chapéu voando), depois, registra a tecnologia criada em função do vento (a energia eólica, o impacto nas ondas e nas hidrelétricas). Por fim, o filme toma a opção mais interessante, abordando a absorção do fenômeno pela cultura e pela arte, mostra como o vento Aracati molda vidas inteiras, determinando rumos e configurações de toda uma região.
As imagens construídas pelas cineastas são excelentes: por um lado, impressionam pelo refinamento estético incomum ao documentário de observação, de caráter imediatista, e por outro lado, expressam uma relação evidente do vento com o meio ambiente sem recorrer a recursos pedagógicos – ou seja, nada de letreiros, narrações, mapas, vinhetas. A filmagem de uma gigantesca pá destinada à construção de um moinho de energia eólica expressa a dimensão da estrutura necessária para lidar com o vento, enquanto um diálogo sobre a expansão do rio mostra como o Aracati é capaz de arrastar as águas e transformar a geografia local. A imagem, repleta de significados, confia na capacidade do espectador em compreender e sentir os elementos oferecidos.
Talvez a primeira metade possua um ritmo um pouco arrastado, por depender do silêncio e da dilatação temporal para expressar a imobilidade humana em oposição à transformação da natureza. A partir da segunda metade da projeção, os moradores locais dominam as cenas, e Aracati adquire um viés mais belo e poético. A interação com os moradores é simples: a pequena equipe faz questionamentos amplos sobre as transformações locais, e ouve respostas de homens que jamais viveram na cidade (“Não gosto de ruas”), e outros que questionam a essência do registro imagético (“Os filmes são falsos, mas este que vocês estão fazendo é de verdade, né?”).
Ao invés da suposta objetividade do olhar, o documentário assume sua intervenção, seu ponto de vista externo ao local e ao tema, assim como suas escolhas de enquadramento e montagem. Partindo de um elemento muito simples, Aracati estabelece uma reflexão sobre a modernidade, sobre os relacionamentos humanos e sobre o próprio cinema.
Filme visto na 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2016.