Em estado vegetativo
por Bruno CarmeloO filme começa com um adeus. A adolescente Florencia (Violeta Castillo) se despede da empregada e enfermeira que cuida de seu irmão, vítima de um problema cerebral. Logo, a garota se encontra sozinha: a mãe está hospitalizada com uma doença, o pai mora em outro país, e o tio, que promete ajudar, não aparece. Florencia fica, de certo modo, abandonada, assim como o irmão. “Ele está sempre sozinho”, a jovem diz para descrevê-lo, mas a frase valeria também para ela mesma.
Com senso de responsabilidade, ela consegue equilibrar a escola com as tarefas domésticas, mas não deixa de tomar decisões imaturas, como se esperaria para uma jovem de sua idade. Na busca de contato próximo com outras pessoas, convida sempre dois amigos em sua casa, com quem explora o voyeurismo pela Internet, observando garotos se masturbando. Depois de um momento, começa a chamá-los em sua casa, mas não abre a porta. A anfitriã e o convidado limitam-se à masturbação mútua através de uma porta transparente.
Las Plantas pode ser interpretado como um filme sobre a solidão e a dificuldade de conexão real com o mundo que nos cerca. Em tempos pós-modernos, o desejo da protagonista é virtual, as amizades passam pelo prisma do fetiche – ela e os amigos estão sempre fantasiados de personagens de mangás – e o mundo adulto vive em algum lugar desconexo dos jovens. São os adolescentes que dominam a narrativa e, sendo praticamente os únicos em cena, precisam descobrir sozinhos como explorar seu afeto e sua sexualidade.
O diretor Roberto Doveris parte de ideias muito boas, através de uma estética fria, longe do aspecto lacrimoso que esta história de doenças poderia suscitar. A câmera colada aos rostos, com luz pouco trabalhada, busca uma ambientação crua, pouco convidativa. Infelizmente, os pontos de partida são mal explorados pelo roteiro: a paixão da garota pela cultura geek não traz interferências significativas em sua trajetória, o contato próximo com o irmão se desenvolve pouco. Em certo ponto da narrativa, o drama ameaça se transformar em suspense, mas o gênero tampouco é desenvolvido a contento. Os símbolos desta história possuem grande potencial, mas são abordados de modo repetitivo e frustrante.
O mesmo vale para a metáfora das plantas. O roteiro usa-as à exaustão, a ponto de se tornarem óbvias. Uma cena traz a garota com nome de planta, Florencia, lendo uma história em quadrinhos chamada “Las Plantas”, com folhas decorando as bordas do enquadramento, à frente do irmão em estado vegetativo. Ao invés de enriquecer a simbologia, o acúmulo de referências a plantas enfraquece possíveis significados como a busca por raízes, a necessidade de contatos sociais em rizoma e demais analogias com o tema.
A sexualidade ganha tons descomplexados, porém fetichistas. A câmera adota o ponto de vista da garota e passa a observar uma série de rapazes em ereção, excitados diante do corpo nu da protagonista. Como dissociar o olhar do diretor e o olhar da personagem? Como ser crítico, ou pelo menos distanciado, em relação às práticas de Florencia? Doveris não possui respostas à questão. Pelo menos, Las Plantas consegue propor uma conclusão afetuosa, um contato físico real, capaz de transformar a vida destes personagens, metaforicamente em estado vegetativo. Encontra-se um pequeno grão de esperança numa obra desencantada, cinzenta.
Filme visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2015.