O ciclo da vida
por Francisco RussoPor décadas, o Studio Ghibli foi sinônimo de magia e poesia na animação, encantando milhões de fãs mundo afora. Diante deste retrospecto, o anúncio feito por um de seus expoentes, o diretor Hayao Miyazaki, de que a empresa fecharia as portas bateu fundo no coração dos cinéfilos. Com o encarecimento do processo artesanal do Ghibli e o envelhecimento de seus principais nomes, não haveria outra saída. O tempo passou e o Ghibli permaneceu, se adaptando ao novo contexto. O primeiro exemplo é o belíssimo A Tartaruga Vermelha, merecidamente indicado ao Oscar de melhor animação.
Dirigido e idealizado pelo holandês Michael Dudok de Wit, A Tartaruga Vermelha é uma animação diferente das produções anteriores do Ghibli. A começar pelo traço dos personagens, abandonando os característicos olhos grandes e buscando um perfil mais próximo à realidade do corpo humano. Por outro lado, mantém o tom poético e fabular típico das histórias trazidas pelo estúdio, assim como uma animação visualmente deslumbrante, especialmente ao assumir seu lado paisagístico.
Completamente sem diálogos, o longa-metragem acompanha os esforços de um náufrago pela sobrevivência em uma ilha deserta. Não demora muito para que este protótipo de Robinson Crusoé tente deixar o local, construindo uma jangada. Só que, sempre que se afasta do litoral, uma imensa tartaruga vermelha destrói a embarcação.
A dinâmica entre homem e natureza é importantíssima dentro desta narrativa silenciosa, não apenas quando os expoentes da história se encontram. Mesmo antes é possível notar o respeito existente por parte do náufrago, que apenas se alimenta do que encontra e consegue colher na própria ilha. Diante desta postura, torna-se ainda mais impactante a reação brutal vista no esperado encontro, realçada pelo tom avermelhado que a animação assume naquele instante.
Extremamente delicado e poético, A Tartaruga Vermelha brilha pela qualidade da animação, pela dinâmica do silêncio empregada e por tão bem retratar o ciclo da vida inerente a todos. Contemplativo sem jamais cansar, trata-se de um libelo ao amor e à natureza, contado a partir da história de uma vida. Para a alegria do cinema, o Ghibli vive!
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.