Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Gaga - O Amor Pela Dança

Homenagem ao gênio

por Bruno Carmelo

O primeiro elemento em tela são citações de dançarinos e veículos da mídia, afirmando que Ohad Naharin é um visionário, um grande artista, um coreógrafo revolucionário. Este tipo de recurso é comum nos trailers, cuja função é trazer o público às salas de cinema, mas surpreende quando destinado a espectadores que já pagaram pelo ingresso. O elogio é a porta de entrada para um documentário focado na figura clássica do gênio. O diretor Tomer Heymann não pretende investigar a origem da genialidade, apenas reafirmar os traços que colocam Naharin num nível acima dos demais.

O filme possui qualidades dignas de nota, muitas delas provindas da dança, e não do cinema. O biografado pode ser desconhecido pelo público médio, mas é difícil ficar indiferente à gestualidade empolgante que extrai de seus bailarinos. As apresentações surgem de modo fragmentado na tela, mas quando a montagem permite que se estendam por mais de trinta segundos, revelam movimentos e interações impressionantes dentro da imagem típica da dança – inclusive da dança contemporânea. Mesmo que seja apenas pelo lado informativo, Gaga - O Amor Pela Dança tem o mérito de dialogar com um público amplo. A produção, por exemplo, venceu o prêmio do público na última Mostra de São Paulo.

No entanto, a função de qualquer crítica de cinema seria avaliar os méritos cinematográficos, e não da dança, ou seja, as escolhas de Heymann ao invés de Naharin. Este é o momento em que o projeto revela falhas importantes. A primeira delas diz respeito ao discurso. Embora a montagem adote a boa escolha de não narrar fatos de modo cronológico, ela se perde no agenciamento temático sobre o dançarino. Às vezes aborda uma doença importante, para depois não apresentar as consequências, às vezes introduz uma vertente politizada que depois desaparece por completo. Na tentativa de abarcar facetas distintas, o filme tem dificuldade em conectá-las e desenvolvê-las a contento.

O maior problema é deixar Naharin controlar o ponto de vista do documentário. Quando jovem, o dançarino foi selecionado nas prestigiosas companhias de Martha Graham e Maurice Béjart, mas abandonou ambas em pouco tempo, porque “não ficou satisfeito”. O que realmente aconteceu? Naharin não diz, e o diretor tampouco se interessa em investigar. Heymman limita-se ao que o biografado deseja mostrar, apoiando-se demasiadamente nas entrevistas com o próprio. Assim, torna-se incapaz de adotar o distanciamento necessário a qualquer retrato biográfico. Uma mentira contada pelo artista à imprensa é repetida no início do filme, e desmentida apenas no terço final. O documentário deixa que ele minta, manipule, controle a representação de sua imagem.

Os depoimentos de terceiros, quando aparecem, revestem-se de duas funções distintas: ou servem para sublinhar a genialidade deste homem à frente do seu tempo, que fornece instruções pouco técnicas e sonha que todos “leiam a sua mente”, ou contribuem para mostrar um diretor artístico arrogante e grosseiro, que faz muitos dançarinos saírem dos ensaios chorando. Mas não se preocupe: “Eles sempre voltam, porque percebem que valeu a pena”, afirma uma dançarina. Naharin é desculpado por suas excentricidades, pois a genialidade seria uma dádiva isenta de responsabilidades.

Por fim, Gaga - O Amor Pela Dança reforça o mito romântico do artista perturbado, aquele compreendido por poucos, inquestionável por causa de seu talento. O inegável pioneirismo funciona de salvo-conduto para agir como uma diva, controlando todos ao redor, inclusive o diretor do documentário a seu respeito. A maioria das biografias trabalha no sentido de desconstruir mitos e revelar o lado humano por trás de estrelas consagradas. Heymann faz o caminho oposto, prestando homenagem ao ídolo erguido num pedestal.