Lobos à solta
por Francisco Russo"Nunca pensei que isto aconteceria comigo", diz o personagem principal ao se posicionar deitado sob o colo da amante. A câmera, estrategicamente posicionada, mostra nitidamente sua vagina. Para quem conhece a carreira do diretor Alain Guiraudie, especialmente Um Estranho no Lago, esta cena soa como uma irônica provocação. Sim, Guiraudie também mostra o sexo heterossexual em seu novo longa-metragem. E não, ele não "encaretou" neste novo filme. Muito pelo contrário.
Assim como em Um Estranho no Lago, Staying Vertical explora bastante o mistério. Pouco se sabe sobre o personagem principal além do nome Leo, e que ele ronda o interior da França em um carro (que sequer pode ser realmente seu). O espectador também sabe que ele escreve um roteiro, sabe-se lá o porquê ou para onde. A construção de tal personagem tão misterioso se baseia muito em seus atos e olhares, que revelam um desejo velado muito bem captado pelo seu intérprete, Damien Bonnard. Este, por sinal, é outro ponto bastante interessante do filme: Guiraudie trabalha a sexualidade de todos os personagens, seja ela latente ou enrustida. Ninguém, absolutamente ninguém, fica em cima do muro neste conto onde o sexo tem peso importante.
E, como tal, o diretor não se nega a escondê-lo. Staying Vertical traz cenas de nudez frontal feminina e masculina, sem o menor pudor, sempre integradas neste ambiente onde todos estão de olho em todos, sem distinção de gênero. É a partir desta teia entre personagens tão desconexos que o diretor, pouco a pouco, constrói um universo envolvente, mesmo com tão poucas informações à disposição. Não são necessárias.
Com habilidade, Guiraudie trabalha possibilidades. Tanto no campo da realidade quanto no absurdo, como o filme chega a flertar em alguns momentos (de forma intencionalmente estranha, é bom ressaltar). Há também elipses de tempo, nem sempre tão explícitas, e simbolismos que revelam o desejo sexual oculto, além de um certo tom cômico. Tudo para compôr uma atmosfera envolvente em torno dos personagens, valorizando o desconhecido e o inusitado.
Staying Vertical é, acima de tudo, um filme muito bem dirigido, pela composição deste clima que ronda toda a história. Vale ressaltar ainda o uso das canções do Pink Floyd e a sequência do suicídio assistido, surpreendente e impactante. Muito bom.
Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.