Nada é original
por Francisco Russo"Não importa de onde se tira as coisas, mas para onde as leva."
A frase acima, proferida por Jean-Luc Godard e citada neste longa-metragem, pode ser apontada como uma síntese de Manifesto. Afinal de contas, a proposta do artista plástico Julian Rosefeldt é justamente reunir 13 manifestos consagrados, sob os mais variados temas, de forma a criar, a partir deles, reinterpretações contando com o auxílio de uma grande atriz, Cate Blanchett. É a partir do já existente que se cria algo novo - daí também o título desta crítica, também mencionado no decorrer do filme.
Diante de tal proposta conceitual, é até natural que este seja um filme um tanto quanto hermético. Afinal de contas, manifestos densos sobre questões complexas são lidos na íntegra, sem que haja muito tempo de respiro para que o espectador absorva tal conteúdo - é o que acontece, especialmente, na sequência do funeral. Diante de tal característica, a maior atração do filme fica por conta da construção da ambientação em torno de tal texto, não só pela transformação vivenciada por Cate Blanchett mas, também, por tudo que a cerca. É nos contrastes visuais que Manifesto se destaca, especialmente nos segmentos do jantar em família, do telejornal e da sala de aula.
Soma-se a isso a presença imponente da camaleoa Cate Blanchett. Há no filme um inevitável fascínio em acompanhar suas mudanças, segmento após segmento, pela criação de personagens completamente distintos com peculiaridades tão marcantes acerca de postura corporal, olhar e sotaque. Mesmo em trechos de poucos minutos, onde tais versões mal são desenvolvidas sob o aspecto narrativo, é estabelecido um jogo simbólico entre o visto e o ouvido que rapidamente se torna um desafio: para o espectador, em absorver tantas informações distintas e processá-las rapidamente; para a atriz, no exercício de atuação em torno da criação de tantas personas; para o realizador, em criar em cima de algo já existente, no sentido de complementá-lo visualmente.
Diante de tais características, é claro que Manifesto é um filme irregular. O próprio início requer uma certa paciência até que os códigos propostos sejam compreendidos, e não é à toa que Rosefeldt posiciona os segmentos mais densos logo de cara: o choque narrativo é intencional, de forma que você rapidamente se adapte (ou não) a tal proposta. Também não é por acaso que o longa melhora consideravelmente na metade final, quando os trechos mais palatáveis entram em cena. Em especial o situado em um telejornal, onde Cate conversa com Cate em um debate acerca do quanto a velocidade da informação nos dias atuais possibilita a desinformação, e a aula ministrada sobre as características do Dogma 95.
Se como provocação Manifesto funciona a contento, o mesmo não acontece como cinema. Idealizado como instalação artística, o longa-metragem nada mais faz do que replicar o conteúdo audiovisual feito por Rosefeldt, posicionando os segmentos de forma que haja uma coerência na condução entre eles. Ou seja, assim como Godard mencionou, este filme é também uma adaptação de algo já existente, só que com pouquíssimas novidades para quem pôde assistir à própria instalação - a sétima arte, neste caso, serve mais como divulgação de algo pré-existente do que propriamente como meio criativo. Ainda assim, trata-se de um filme interessante, muito mais pelos desafios trazidos do que propriamente pelo que é ofertado.