Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca

A versão chata dos fatos

por Taiani Mendes

Em maio de 2005, mais de três décadas após o escândalo político conhecido como Watergate, a identidade do Garganta Profunda, informante dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, enfim foi revelada. Mark Felt, um dos caciques do FBI à época, era quem repassava detalhes a respeito do envolvimento do presidente Richard Nixon no caso aos repórteres. Certamente uma história interessante a ser contada. Por que Felt se tornou o informante misterioso mais famoso da história dos Estados Unidos? Como preservou o segredo por tanto tempo? O que se passava em sua cabeça? O diretor e roteirista Peter Landesman (Um Homem Entre Gigantes, Parkland) tem um rico ponto de vista alternativo em mãos, mas desperdiça-o em trama entediante e picotada que mesmo os mais empenhados fãs da clássica tramoia terão dificuldade em digerir. Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca é uma agonia de escritório que parece durar os trinta anos de tempo de serviço do agente.

Quase irreconhecível pela ausência de correria ou arma de fogo e cabelo completamente grisalho, Liam Neeson descansa do posto de action hero interpretando de forma opaca o protagonista. Baseado no livro de memórias em que Mark conta tudo, o filme o mostra como funcionário exemplar que ama mais o FBI do que a própria esposa (Diane Lane), protege J. Edgar Hoover e batalha pela autonomia da agência. Íntegro, contra os métodos ilegais da agência e competente, não tem boa relação com a intrometida Casa Branca e acaba preterido à direção quando o chefe falece. Magoado, dá o troco desobedecendo ordens que não deveria estar recebendo (como deixar de lado a investigação) e alimentando a imprensa. Considerando o envolvimento da família Felt na produção, é até surpreendente que a decepção pela “traição” na promoção seja apresentada como uma das motivações.

Sem o cuidado de introduzir apropriadamente os personagens principais do complexo jogo de poder e informação que se desenrola entre FBI, Casa Branca e CIA – nem mesmo o cargo de Felt é imediatamente assimilado –, Landesman dedica inúmeras passagens a diálogos expositivos e repetitivos. O público se vê como os personagens baratinados que respondem com perguntas as perguntas, apenas indo no fluxo. O tempo medido pela proximidade da reeleição de Nixon tampouco ajuda em alguma coisa e estranhamente a relação próxima de Mark e Woodward não existe no filme, cabendo a outro jornalista, Sandy Smith (Bruce Greenwood), o papel de maior receptor de furos.

Fora do escritório e dos encontros escondidos, Mark Felt é marido silencioso que dança bem e pai preocupado com a filha (Maika Monroe) desaparecida, ligada a grupos radicais de esquerda – o que influencia seu maior crime como diretor, a violação de direitos humanos de associados ao Weather Underground. A contextualização falha na política é ainda pior no âmbito familiar, culminando num trecho constrangedor em que Audrey Felt (Lane) precisa “lembrar” ao companheiro que a herdeira não é vista há um ano. Diane Lane tenta indicar a instabilidade emocional de sua personagem em gestos discretos, mas o longa-metragem não está nem um pouco interessado na vida dessa mulher, relegando a sra. Felt a poucas aparições e tratando como mero detalhe a suposta falta de carinho que ela tem pela filha, questão delicada que merecia maior atenção. Apenas Mark importa e ainda assim não é possível entender no que consiste sua versão “homem de família” e o que ele sente além do amor incondicional que tem por Joan (Monroe).

O elenco inflado tem nomes como Noah Wyle, Eddie Marsan, Michael C. Hall, Kate Walsh, Tom Sizemore, Ike Barinholtz, Tony Goldwyn e Josh Lucas em participações que raras vezes rendem mais do que uma cena. Mark Felt: O Homem que Derrubou a Casa Branca narra um evento gigante sem mostrá-lo, preferindo retratar o protagonista mentindo para os colegas do que efetivamente repassando informações. Quando seu dedicado trabalho de destruição por dentro finalmente dá resultado, é de forma nada marcante e vários fatos relevantes são resumidos a linhas de texto antes dos créditos, como a morte de Audrey, a condenação de Felt e a própria confirmação da identidade do Garganta Profunda. A expectativa é por um empolgante novo olhar sobre o Watergate e a realidade é a rotina confusa de um burocrata vingativo determinado a derrubar discretamente o presidente com quem mal tem contato. Apesar de ter a piadinha, jamais chega a ser um homem do presidente, que dirá todos.