Uma mulher e uma arma
por Bruno Carmelo“Tudo de que você precisa num filme é uma mulher e uma arma”. A frase associada a Jean-Luc Godard diz respeito aos prazeres simples do cinema de gênero, cujo olhar predominantemente masculino privilegia as figuras de mulheres fatais, gângsteres perigosos, segredos a revelar. Este é o universo de Na Escuridão, um filme sobre cruéis mafiosos dos Bálcãs, com sotaques fortes e cicatrizes no rosto, ao lado de esposas-troféu sedutoras e perigosas, uma vítima loira e indefesa (no caso, uma pianista cega) e o homem musculoso por quem ela se apaixona.
O projeto não ganha pontos pela originalidade, mas pelo menos busca inspiração nos maiores ícones do suspense, em especial as obras de Alfred Hitchcock. As citações são tão explícitas que poderiam ser consideradas plágio ou homenagem, a gosto: a trama inclui planos próximos de cabelos loiros presos em coque, à la Um Corpo que Cai, o sangue formando um espiral do ralo da banheira, estilo Psicose, as imagens projetadas dentro de olhos, novamente em referência a Um Corpo que Cai. Através do mote clássico da testemunha cega fugindo de bandidos perigosíssimos, o diretor Anthony Byrne não tenta construir um suspense elegante, atmosférico, no qual os sons e as sombras constituem uma importante fonte de estímulos para o espectador.
O início, em particular, é bastante promissor. Natalie Dormer está sentada ao piano, compondo a trilha sonora de um filme cujas imagens não pode ver, devido à cegueira. Ela está bem adaptada à vida sozinha na cidade grande, guiando-se pelos sons e por um impecável senso de organização. Dentro de seu luxuoso apartamento, a câmera desliza lentamente pelos cômodos, enquanto os barulhos dos vizinhos sugerem perigos que apenas ela, com a sua audição apurada, poderia compreender. O roteiro explora os sentidos afiados dos deficientes visuais durante a apresentação, embora não consiga aproveitar esta ferramenta a partir do momento em que uma vizinha supostamente comete suicídio no andar de cima.
A narrativa mantém o suspense de modo eficaz durante metade da trama, levantando dúvidas sobre o passado de Sofia, sobre o que realmente escutou e sobre o plano perigoso de enfrentar mafiosos por conta própria. No entanto, quando as explicações finalmente chegam, elas são entregues ao espectador de modo abrupto, sem preparação nem senso de gravidade. Neste momento, o maniqueísmo se acentua, as incongruências se multiplicam e algumas explicações inverossímeis levam o roteiro à beira do humor involuntário. É preciso ter um senso de direção afiadíssimo para lidar com arquétipos do filme B (a mulher fatal, o terrorista do leste europeu, a vítima loira) sem reforçar preconceitos nem cair em clichês desgastados do gênero. Byrne se esforça, mas não consegue surpreender, nem amarrar todas as pontas soltas.
No que diz respeito ao elenco, Natalie Dormer se esforça para construir uma personagem tímida, discreta, mesmo que sua postura seja rígida demais em determinadas cenas. Ed Skrein ainda tenta provar que pode ser delicado, além de agressivo, e Emily Ratajkowski é explorada mais uma vez como a figura que pouco tem a oferecer para além de sua beleza (ela sussurra dentro de um elevador: “Meu perfume secreto é ouro líquido”). Os filmes de gênero sem a intenção de originalidade ou subversão constituem uma arte difícil de dominar. Em muitos casos, é preferível o diretor tomar distanciamento em relação aos códigos, reforçando os clichês a ponto de se tornarem autoparódias ou autocríticas. Na Escuridão se leva a sério demais, sem trazer qualquer discurso relevante sobre as guerras ou o terrorismo. Enquanto suspense, ao menos satisfaz na primeira metade, quando trabalha com sugestões e valoriza as atmosferas.