Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Iván

Raízes

por Francisco Russo

“Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá

As aves que aqui gorjeiam

Não gorjeiam como lá”

(Trecho da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias)

Imagine ser forçado a deixar sua terra natal, sua gente, seu modo de vida para trabalhar, obrigado, em outro país. Iván Bojko passou por esta situação ainda jovem quando, em 1942, teve que deixar sua Ucrânia natal para trabalhar na Alemanha nazista. De lá partiu para o Brasil, seis anos mais tarde, sem jamais retornar ao local em que nasceu. Iván, o documentário, apresenta esta viagem de volta, ciceroneada pelo diretor Guto Pasko e sua equipe.

Não é exagero dizer que o documentário, na verdade, é o próprio Iván. Um senhor de idade pra lá de simpático e carismático, dono de um sorriso e um brilho no olhar impressionantes, cuja emoção transborda de forma fácil e sincera. É por ele que o espectador sente-se tocado, em vários momentos: ao receber (e recusar) a passagem aérea para retornar à sua cidade natal, ao visitar os locais de sua infância e perceber o impacto do tempo, ao rever amigos e parentes deixados para trás fisicamente, mas não no coração.

É através dele também que o documentário aborda questões bastante pertinentes, sobre a importância da origem na formação da personalidade. Em tempos tão globalizados, onde multinacionais pasteurizam hábitos e gostos, chama a atenção a valorização da cultura local, personificada através da bandura. Este instrumento musical típico da Ucrânia é apenas um entre tantos objetos locais, de tantos países, que se perdem ou têm sua importância minimizada diante da força da cultura exterior, que invade todos os países impulsionada pelo poderio econômico. O modo como Iván fala da bandura, seja para manter sua cultura em solo brasileiro ou ao reencontrá-la na Ucrânia natal, é o exemplo maior da falta que sua terra faz.

Por mais que seja um filme de reencontro, Iván ainda aborda com habilidade a dura situação dos refugiados que, obrigados, precisaram reconstruir suas vidas em outra civilização, estranha e distante. Sem recorrer ao didatismo, o diretor explora a emoção para contar também esta história. É no reencontro de Iván e nas surpresas reservadas ao rever locais de sua memória que surge a revolta e o choque, acompanhados do inconformismo.

Com um protagonista tão radiante e temas de fundo tão oportunos, Iván peca ao se ater unicamente a acompanhar seu personagem principal, o que provoca um certo cansaço em alguns momentos. Especialmente quando ele parte rumo à vila em que cresceu, onde há uma sequência de situações que têm o mesmo significado, envolvendo tempo perdido e as mudanças ocorridas neste hiato. Ainda assim, trata-se de um filme emocionante e carinhoso, pela forma com que Iván é tratado e como ele próprio trata todos à sua volta. É impossível não se envolver com a empolgação adolescente por ele demonstrada, bem como a importância de rever sua Ucrânia natal, por mais que o país seja hoje bem diferente daquele presente em sua memória.