Adorável cafajeste
por Bruno CarmeloLuigi é diretor de um teatro em Paris. Às vésperas da estreia de um novo espetáculo, o lugar está um caos: os funcionários ameaçam entrar em greve por falta de pagamento, o dramaturgo está descontente com o elenco, enquanto o elenco não compreende as indicações do dramaturgo. O sorridente Luigi reage à sua maneira bem particular: ao invés de confrontar os problemas, ele decide dar uma volta pela cidade, postergando os conflitos e usando seu charme para se dar bem sem realmente interferir no que quer que seja. “Eu faço isso há 15 anos”, explica à estagiária.
A adesão do público a esta comédia depende de sua crença no caráter supostamente irresistível do protagonista. Luigi trata seus funcionários sem o mínimo respeito, lida com as mulheres de modo machista, não demonstra o menor afeto pela filha ou pelo afilhado. Ele força uma estagiária a deixar o seu bebê sozinho em casa, envolve-se com uma adolescente em circunstâncias questionáveis e depois esquece o tal bebê nas mãos de um desconhecido. Mas sai de todas as cenas com o mesmo sorriso, perguntando à pessoa ao seu lado: “Qual é o problema?”.
Neste projeto dirigido, escrito e estrelado por Édouard Baer, o criador parece acreditar que seu personagem é charmoso a ponto de justificar as falhas graves cometidas cena após cena. Afinal, por mais que os personagens fiquem revoltados com as atitudes de Luigi, sempre voltam aos seus pés e sucumbem às suas vontades. A narrativa orbita em torno do personagem, com coadjuvantes existindo apenas para receberem ordens do comandante e reagirem às mesmas. Neste universo-umbigo, o diretor do teatro é tolerado por ser um “malandro de bom coração”, ou ainda uma figura patética e desconectada do mundo, ao invés de mau-caráter.
A direção faz o possível para imprimir um ritmo ágil, com a câmera na mão acompanhando o protagonista incessantemente em suas perambulações pelos corredores, pelas ruas e pelos comércios. Baer, atuando um tom acima do realismo - é difícil separar o egocentrismo do personagem do egocentrismo do autor-criador neste caso - está cercado por um elenco excelente, que faz o possível para transmitir a ideia de que estas pessoas estariam dispostas a abrir mão de suas vidas pessoais para se dedicarem aos caprichos do patrão. Sabrina Ouazani, Audrey Tautou e Grégory Gadebois são particularmente convincentes, criando boa dinâmica com os diálogos velozes e exibindo trabalho de corpo um pouco mais rígido, necessário para se opor ao de Baer.
Por fim, a intenção de situar a história num sucessão de absurdos pode funcionar, dependendo de onde você situa os limites narrativos, éticos e estéticos da comédia. Para quem acredita que o humor permite o abandono de toda verossimilhança - vide a inacreditável conclusão -, o resultado pode agradar em sua sucessão vertiginosa de malandragens e descasos. Para quem se incomoda com o retrato de magrebinas subservientes ou com funcionários forçados a tolerar maus-tratos em nome da arte, este hino à autocondescendência pode deixar um gosto amargo.