Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Amor em Sampa

Ilusão desvairada

por Francisco Russo

Caetano Veloso, numa de suas letras mais inspiradas, descreveu o impacto de alguém de fora ao chegar a São Paulo: "Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto / É que Narciso acha feio o que não é espelho / E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho". A abertura de Amor em Sampa, nova empreitada cinematográfica da família Riccelli, lembra o espírito desta canção. Afinal de contas, vemos o diretor e protagonista Carlos Alberto Riccelli no volante de um táxi, cantando - sim, cantando - as maravilhas e os problemas da cidade.

O início de Amor em Sampa surpreende, positivamente. Há um clima descontraído na música, na edição e até mesmo no excesso de críticas a São Paulo - é como se os problemas fossem logo expostos para, assim como na canção de Caetano, depois se compreender melhor sua beleza. Infelizmente, dura pouco. O inusitado do musical, gênero pouco explorado pelo cinema brasileiro, logo se torna decepção graças à uma sucessão de equívocos dos mais variados graus. A começar pelas canções seguintes, cujas letras são de uma pobreza de dar dó. Quer um exemplo?

"É boa de cama

Não posso negar

Administração

Vou ter que ensinar

Na cama me entrego todinha

Só não dou o coração

Quando tiro a calcinha"

O inacreditável trecho acima, acredite, faz parte do duo entre Bruna Lombardi e Eduardo Moscovis, um cantando pior que o outro. Este, por sinal, é outro aspecto incompreensível do longa-metragem. Por mais que o elenco conte com atores com experiência em musicais no teatro, caso de Letícia Colin eTiago Abravanel, ambos são extremamente mal aproveitados - Letícia é coadjuvante em um número com ecos de Chicago, envolvendo aspiração no meio artístico, enquanto que Tiago é a estrela de um número que lembra os musicais dos anos 1950, pelo exagero (preconceituoso e espalhafatoso) envolvendo o anúncio de um casamento gay. Isto sem falar na falta de apuro no tratamento de som, que permite que o espectador perceba claramente que o áudio das cenas musicais foi gravado em estúdio.

Por mais que se releve (um pouco) as dificuldades decorrentes da falta de traquejo com o gênero, aos poucos Amor em Sampa revela problemas ainda maiores. A começar pela escancarada faceta publicitária, seja através dos merchans espalhados pelo filme ou pela cara de pau em esconder mazelas mais do que conhecidas de São Paulo. Outro exemplo: a campanha publicitária apresentada pelo personagem de Rodrigo Lombardi é baseada na relação da cidade com a água! Por mais que o problema de racionamento enfrentado por São Paulo seja pontual, o filme prega o aproveitamento do rio Tietê sem jamais citar a poluição nele existente - há até tobogãs para que as pessoas se divirtam!!! Não dá para levar a sério, nem mesmo ao considerar o tom ingênuo e de supostas boas intenções (leia-se mensagens edificantes por todos os lados) levantado pelo filme.

O roteiro, por sinal, é outro problema sério. A autora Bruna Lombardi optou pela fórmula do filme-coral, com vários núcleos representando clichês do paulistano comum, em historietas sempre mal desenvolvidas. Com diálogos pobres e piadas muitas vezes preconceituosas, o filme traz vários romances insossos entremeados a cenas de pontos turísticos de São Paulo, mais uma vez na tentativa de apresentar um painel da diversidade existente na cidade (sob o ponto de vista da classe média alta, é bom ressaltar). Entretanto, o ponto mais baixo é a panfletária mensagem (de fundo político) gravada por um dos passageiros de Cosmo, o taxista interpretado por Riccelli, que prega que "tem sempre trabalho em São Paulo, quem quer acha". É sério.

Situado em um mundo de ilusões difícil de embarcar, pela fragilidade da narrativa como um todo, Amor em Sampa é um filme que, ao tentar louvar a cidade, acaba se tornando motivo de piada involuntária (e de mal gosto). O tom descontraído do início até ensaia uma volta com a personagem de Miá Mello, mas se perde em meio a tantas atuações canhestras, redundâncias, mensagens panfletárias, péssimos diálogos e falta de timing do roteiro. As canções, no fim das contas, são o que há de menos pior - e, ainda assim, entregam pérolas como o trecho anteriormente citado.