Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Bem Casados

Agora é que são elas

por Renato Hermsdorff

Para entender a diferença entre uma produção feita para a TV e outra para o cinema, um bom exemplo é Bem Casados. Um exemplo (dentro do exemplo): Alexandre Borges, geralmente careteiro e exagerado em seus papéis cômicos para a televisão (vide I Love Paraisópolis e Avenida Brasil, para citar casos mais recentes), adota um tom mais contido, sóbrio como o personagem pede, nessa comédia do diretor Aluízio Abranches.

Egresso do drama (Um Copo de Cólera, As Três Marias, Do Começo ao Fim), o cineasta, também produtor dos próprios filmes, resolve surfar a onda do gênero que domina as bilheterias do Brasil. Mas, diferente de seus pares, escolhe uma prancha original (a.k.a. um enredo que não é baseado em algum programa televisivo), levemente inspirado em sua própria experiência.

No filme, Heitor (Borges) é um bon vivant que torrou toda a herança com viagens, festas, mulheres e hoje ganha a vida filmando casamentos (Aluizio já teve uma produtora especializada em registrar esse tipo de cerimônia). A vida dele começa a se complicar quando surge Penélope (Camila Morgado), uma mulher independente, decidida, que acaba entrando para a equipe de Heitor a fim de se infiltrar no casamento do ex-amante (João Gabriel Vasconcelos).

Além de adotar uma linguagem mais adequada ao formato cinema (como na bela cena em que Heitor ensina Penélope a filmar, toda rodada no contraluz), o tipo de humor de Bem Casados não é o da comédia física besteirol. O riso se apoia nas situações e não em piadas-muletas (ou seja, não se deixe enganar pelo trailer!), o que dá um verniz “classudo” à produção. Trata-se, portanto, de uma comédia romântica madura, tanto na forma, quanto no conteúdo, na medida em que temos um casal protagonista na casa dos 35-45 anos.

Pertinente, o roteiro de Fernando São Tiago atualiza elementos da vida cotidiana como a necessidade da “nova mulher” em arrumar tempo para a ioga, o pilates, a psicanálise – “instagramizar” tudo isso – e, só depois, se preocupar se haverá um homem ao seu lado – para curtir as fotos no Instagram. (Embora escorregue na defesa do feminismo quando Penélope diz para a personagem de Bianca Comparato – ótima, aliás – que ela “precisa de um homem”).

Por outro lado, o roteiro não é redondo. É caricato na medida, mas mesmo que você saiba onde essa história vai parar (e você sabe), o texto enrola o espectador e perde tempo com subtramas (como a de Laura, personagem de Christine Fernandes, um interesse amoroso do passado de Heitor).

Mas, sem enrolar o leitor, vamos ao que interessa: Camila Morgado. A atriz ganhou projeção com papéis dramáticos densos, tanto na TV (A Casa das Sete Mulheres) quanto no Cinema (Olga), pelos quais ficou marcada no imaginário do espectador. E, embora tenha transitado pelo humor, em ambos os formatos (contracenando com Borges na mesma Avenida Brasil ou assumindo o principal papel feminino na franquia Até que a Sorte nos Separe), Bem Casados casa bem (com trocadilho) com o potencial cômico da artista.

Cada vez mais à vontade no gênero, é ela quem mais faz rir, por um motivo simples: não busca o riso do público; ela o encontra de forma natural. O supracitado “tipo” de humor que o filme traz, claro, é o responsável primeiro pela bem-sucedida empreitada da atriz (mais um exemplo? Numa das cenas, depois de “bater boca” com uma criança, ela oferece um cigarro à menininha. Ponto para o roteiro). Mas não é qualquer pessoa que assumiria com tamanha espontaneidade a acidez cômica e involuntária da personagem como Camilo Morgado.

No mais, a ex-Porta dos Fundos Leticia Lima rouba as poucas cenas que tem como a “empregada” de Penélope. Um personagem um tanto quanto "apelativo" (joga para a plateia), mas que resulta hilário por conta da conhecida facilidade da atriz em fazer rir. E uma menção honrosa deve ser feita a Luíza Mariani, também estreando nas comédias, no papel da noiva. Uma patricinha ingênua, sutil e engraçada, ao mesmo tempo, no registro da atriz.

Pensado bem, portanto, agora é que são elas.