O melhor remédio
por Barbara DemerovEm essência, uma das características que mais chama a atenção em O Menino que Fazia Rir não é o fato da obra ser baseada na vida do comediante alemão Hape Kerkeling, mas sim dela ser construída sob uma estrutura já padronizada dentro do gênero biográfico no cinema – e que, ainda assim, se mostra capaz de se sobressair positivamente ao compor uma história cheia de nuances e sensibilidade através de seu elenco encantador (sobretudo com o protagonista mirim Julius Weckauf).
As demais características envolvem especialmente a aproximação da diretora Caroline Link com a relação entre mãe e filho, cerne de toda a trama. Através da inocência de Hans-Peter (Weckauf) e sua visão próxima e ao mesmo tempo inatingível de sua mãe amorosa, são expostas questões delicadas, tais como a depressão – que até podem ser desconhecidas pela vivência externa do espectador, mas são trazidas à tona de forma totalmente compreensível. A sutileza de Luise Heyer, intérprete de Margret Kerkeling, mãe do jovem protagonista, e dos demais familiares que circulam a vida de Hans, são essenciais para transformarem O Menino que Fazia Rir em um filme sobre família, e não apenas uma biografia de alguém que encontrou seu dom na infância.
Tanto que mal vemos Hans alçar voo em sua carreira como comediante. O foco é a origem de seu talento (declaradamente nato por sua capacidade de imitação e a naturalidade de alegrar os outros) e de sua inspiração, assim como os problemas familiares que tinham força o suficiente para desanimá-lo pelo resto da vida, mas que foram contornados com duas curas: o tempo e o riso. A alternância de momentos leves com as dificuldades enfrentadas com a doença da mãe e a perda de uma avó, por exemplo, seguem a cartilha do gênero, porém nunca em demasia: o intuito do longa é justamente o de apresentar como eventos triviais da vida familiar foram importantes para que Hans edificasse seu sonho profissional.
Apesar de saber que não é possível rir em todos os momentos, o jovem protagonista compreende que a força de seu talento ganha mais vibração em momentos-chave, que evidenciam ainda mais sua vontade de deixar as pessoas mais felizes. É possível ver, também, a frustração quando isso não acontece – e são nesses momentos que o filme encaixa uma boa carga dramática que se contrasta diretamente com o olhar e a narração inocente.
Como sempre foi incentivado pelos parentes a fazer suas apresentações em casa e a se fantasiar de quem bem entendesse sem preconceitos (incluindo de princesa), é muito claro ver que Hans cresceu em meio a um mar de afeto. Contudo, O Menino que Fazia Rir mescla bem as inconstâncias da vida ainda que utilize instrumentos acessíveis do gênero, tais como a trilha-sonora que se faz mais presente nos momentos de dor e a fotografia colorida e luminosa, sem muita adição de movimentos de câmera diferenciados ou que acentuem as mudanças na vida do protagonista. Mas é justo dizer que as características técnicas do longa não o tornam melhor ou pior, apenas dentro de uma média satisfatória enquanto uma história que ganha seu fôlego através do contato nas relações humanas.
Ao fim da projeção, não há letreiros informando o paradeiro do protagonista ou todas as suas conquistas na vida adulta. O verdadeiro Hape Kerkeling aparece brevemente de uma forma que consegue ser tocante, ao mesmo tempo que despretensiosa. É por tal escolha de não sair da ficção, nem mostrar imagens reais da família Kerkeling, que O Menino que Fazia Rir adentra um nível emocional que toca até mesmo quem nunca ouviu falar em seu nome. Sua história (não a da fama, mas a de suas raízes) se conecta com milhares mundo afora; seja com aqueles que cresceram sendo criados pelos avós ou que passaram por perdas inestimáveis ainda cedo. Este é um filme que funciona separadamente da biografia de Kerkeling, pois fala da capacidade de rir nos momentos difíceis e, principalmente, do entendimento em respeitar o espaço entre a tristeza e a felicidade.