Unidos e isolados
por Barbara DemerovAcompanhar a rotina de um grupo de brasileiros (alguns marinheiros, outros não) dentro de uma base de pesquisa na Antártica, completamente fora de um contato que não seja o dali, no frio, é uma tarefa que poderia ter dado errado. Afinal, o que há para ser mostrado ali além do trabalho que o Brasil faz desde 1982 na área científica? Para a diretora Julia Martins, a resposta parece ser simplesmente a humanidade daqueles que encaram este árduo trabalho que requer paciência e dedicação contínua.
Por trás da câmera em todos os momentos e falando com seus personagens raramente, mas já sendo suficiente para vermos a importância de sua presença ali, Martins narra seu documentário de forma que ele fique ainda mais pessoal e próximo do espectador. As dificuldades tidas para a filmagem da produção, que adiaram bastante o processo de finalização do filme, são bem aproveitadas pela diretora de modo que se tornem parte fundamental do relacionamento formado com os marinheiros. O potencial da ideia de não só valorizar o trabalho de quem se arrisca a ir tão longe em prol da presença brasileira na Ilha Rei George, mas também de humanizar aquelas figuras – seja um pai, uma irmã ou um filho – funciona e só cresce de modo natural.
Antártica por um Ano também conta com o auxílio dos próprios marinheiros, munidos de câmeras caseiras dadas pela própria equipe para que os registros ao longo do extenso inverno na ilha (o que sempre impossibilita a entrada e saída de quem vem de fora da base) não sejam perdidos. Com isso, vemos gradualmente a equipe de 15 pessoas se ver cada vez mais como família. Além do trabalho diário e das relações interpessoais, há a contemplação da neve e do gelo formado surpreendentemente do dia para a noite, as reflexões sobre como suas próprias companhias se tornam uma base segura mesmo longe de suas famílias e, também, sobre como pode ser gratificante participar de um relevante projeto num lugar que requer cada vez mais atenção.
Os registros das comemorações de Ano Novo, Carnaval e Festa Junina dão vida a um ambiente teoricamente inóspito e são incluídos de maneira singela, já a certo ponto da narrativa em que sabemos de modo mais pessoal como alguns dos marinheiros se sentem naquele papel. O afastamento de certa forma os uniu de uma forma que jamais aconteceria em outro local mais povoado e de temperatura mais elevada – o que chega a ser poético tendo em vista que todos estão envoltos a tanto gelo. A experiência externa da diretora também parece ter marcado as vivências de alguns profissionais (vide a comemoração de alguns quando veem que Martins retornou à base), e tanto a sua visão quanto a dos próprios marinheiros conversam entre si brilhantemente.
A trilha-sonora original também auxilia e muito no sentido de dar mais dramaticidade e contemplação em momentos silenciosos, especialmente nas paisagens. O cuidadoso trabalho de fotografia e a sensibilidade de cada depoimento (a maioria ligado ao lar e família) tornam este documentário uma verdadeira viagem; mas não uma viagem científica e repleta de explicações biológicas quanto ao ambiente apresentado. Antártica por um Ano é uma obra honesta sobre até onde o ser humano aceita ir mesmo encarando sacrifícios, unindo a adaptabilidade para criar uma base de afeto.