O caminho fácil
por Sarah LyraBate Coração é o tipo de produção que tem mais relevância pelo seu tema do que necessariamente pelas habilidades técnicas, estéticas e de linguagem empregadas. A boa intenção é clara, ainda que, para as ideias serem colocadas em prática, o roteiro frequentemente recorra a clichês simplistas em sua execução — algumas vezes de forma irresponsável. Além disso, o formato excessivamente televisivo nos impede de um mergulho mais profundo, já que os núcleos, a função demarcada (para não dizer estereotipada) de cada personagem na trama, os efeitos sonoros e até mesmo as transições na montagem evidenciam segmentos que funcionam melhor de forma independente e nem sempre se conectam com o restante dos acontecimentos da história — uma característica muito própria das telenovelas.
De maneira geral, a boa dinâmica entre os atores e o carisma dos personagens é o que segura a trama. Alguns diálogos inofensivos, que poderiam facilmente passar batido ao espectador, por vezes crescem em si por conta da disposição em usar o humor para dar bem-vindas alfinetadas em questões de gênero e sexualidade. Isso fica claro quando Isadora (Aramis Trindade) revira os olhos ao identificar uma típica fala do que ela chama de “manual do macho”, ou quando uma criança evita rotular uma travesti como homem ou mulher para classificá-la como “é divertida”. Igualmente válido é ouvir Isadora brincar com a própria condição (de morta e de travesti) ao falar da maravilhosa “água de espírito”, que permite que ela já acorde montada.
É também louvável que o longa trate com absoluta leveza e naturalidade a diversidade da família contemporânea formada por alguns dos personagens, mas ao não complexificar essas relações (como a de Vera e Isadora), que certamente carregam alguma bagagem, Bate Coração beira o ingênuo e o reducionista, quase como se tivesse medo dos desdobramentos. Por mais voltada para consumo comercial que uma obra seja, isso não a isenta da busca por um discurso coeso e elaborado, seja ele qual for. Soa exagerado e fora de tom, por exemplo, que o filme ofereça uma redenção tão fácil ao personagem que, momentos antes, exigia a remoção de um órgão vital em seu corpo depois de descobrir a doação vinda de uma travesti — o acesso irrestrito à informação sobre o doador, inclusive, é tão absurdo que se torna cômico.
Ao final, não se sabe exatamente o que o filme quer comunicar. Claro, há um segmento quase publicitário inserido de maneira a passar a mensagem de que doar órgãos é importante; há também a vontade de romper com o conceito defasado de família tradicional e apresentar configurações mais realistas; e pode-se dizer que o longa adentra o universo das transformistas com a intenção de desconstruir estereótipos. No entanto, todas essas propostas são apenas sinalizadas, mas nunca realmente desenvolvidas a fundo. Em meio a um turbilhão de possibilidades, Bate Coração segue não apenas pelo caminho mais problemático, mas principalmente pelo mais conveniente.