Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Uma Família de Dois

Versão francesa

por Francisco Russo

É interessante observar o atual estágio do cinema francês. Com uma produção contínua e um star system próprio, que conta tanto com ícones de apelo mundial - Isabelle Huppert, Juliette Binoche, Marion Cotillard - quanto local - Louis Garrel, Tahar Rahim, Vincent Lindon -, o cinema produzido na França não só valoriza o lado autoral mas também possui um viés industrial, tipicamente hollywoodiano, que se materializa na produção de comédias popularescas e em refilmagens de sucessos estrangeiros. Assim aconteceu com Um Amor à Altura e também com este Uma Família de Dois, versões locais dos latinos Coração de Leão e Não Aceitamos Devoluções. Só que, neste caso, a versão recauchutada conseguiu superar o original.

Protagonizado pelo sempre carismático Omar Sy, um dos ícones do atual cinema francês que (ainda) não conseguiu repercussão atuando fora de seu país, o longa-metragem traz exatamente a mesma história da versão estrelada e dirigida por Eugenio Derbez: um homem é surpreendido com um bebê e, desesperado, parte atrás da mãe em outro país. Sem conseguir encontrá-la e sem ter como voltar para casa, precisa dar um jeito de se manter no estrangeiro e cuidar da criança. Detalhe: sem falar a língua local.

Se a versão original investia forte nos clichês típicos dos mexicanos morando na ensolarada California, aqui a situação é replicada a partir de um típico morador da paradisíaca Riviera Francesa tendo que se adaptar a Londres - ou seja, muda-se as cidades mas não o conceito por trás delas. O mesmo vale para a dinâmica afetuosa construída a partir de pai e filha, incluindo o trabalho dele como dublê e a casa criada de olho na diversão dela, assim como a súbita reaparição da mãe na vida de ambos. Nenhuma novidade.

Por mais que Uma Família de Dois siga à risca as mesmas propostas do longa original, a refilmagem ganha pontos preciosos em dois aspectos: a qualidade da produção e do elenco. Se Não Aceitamos Devoluções possuía uma ambientação sem grande apuro técnico e calcada especialmente no perfil de Eugenio Derbez, com seu semblante tristonho/preocupado a la Gato de Botas, aqui pode-se notar um claro capricho na forma como o filme foi rodado, seja na direção de arte ou na própria fotografia, necessariamente mais escura e urbana por retratar a capital inglesa. Da mesma forma, por não ser propriamente um comediante, Omar Sy não possui os cacoetes típicos que, em Derbez, por vezes soam como caricatura - sem falar que Sy é muito melhor ator na alternância entre momentos cômicos e dramáticos, como se pode notar nos anteriores Intocáveis, Samba e Chocolate.

Além disto, o elenco coadjuvante é muito melhor. Se a pequena Gloria Colston transmite o necessário brilho no olhar de sua personagem ao longo do relacionamento com os pais, Uma Família de Dois ainda conta com o divertido Antoine Bertrand - reprisando o batido personagem gay que serve de alívio cômico - e a boa participação de Clémence Poésy, a eterna Fleur Delacour da série Harry Potter, aqui caprichando no olhar arregalado como meio de demonstrar a tensão do momento. Todos servem bem aos seus personagens, fortalecendo ainda mais a narrativa.

Valorizando o aspecto lúdico da história sem carregar no melodrama, Uma Família de Dois é um bom filme que alterna comédia e drama com competência. Bem dirigido por Hugo Gélin e com um elenco coeso, capitaneado por Omar Sy, trata-se de um exemplo (raro) de refilmagem superior à versão original que, além dos explícitos interesses comerciais, também oferece qualidade artística.

Filme visto no Festival Varilux de Cinema Francês 2017.