Romance à moda antiga
por Bruno CarmeloExistem várias maneiras de assistir a Tini - Depois de Violetta. Para os fãs de Violetta, o filme da Disney vai cumprir tudo que se espera da franquia, incluindo reviravoltas na paixão entre Tini (Martina Stoessel) e León (Jorge Blanco), canções inéditas dela e dele, novas coreografias, mais humor vindo de Ludmilla (Mercedes Lambre). Neste sentido, deve funcionar como bom produto de sustentação, resgatando os elementos indispensáveis da saga e acrescentando novos cenários e personagens, abrindo porta para as inevitáveis sequências.
Para o público interessado em romances adolescentes de modo geral, o projeto também deve provocar uma resposta calorosa. Afinal, os elementos do amor romântico estão presentes à exaustão, incluindo uma mocinha frágil e desamparada, um mocinho que literalmente corre atrás dela em um cavalo branco, um novo amor para mexer com o coração da personagem, cenas românticas à luz da lua, cenários paradisíacos na Europa, instantes dramáticos envolvendo o passado familiar e momentos de ação no clímax, para despertar dúvidas quanto ao sucesso dos planos da protagonista.
No entanto, da mesma maneira que seria absurdo exigir de um fã que fosse crítico de cinema, não faz sentido exigir do crítico que seja um fã. Cada um se atém a elementos diferentes de um filme, analisando-o de acordo com critérios distintos. Enxergando Tini - Depois de Violetta como obra de cinema, e examinando-a com as ferramentas de discurso e de linguagem cinematográfica – o que se espera de um crítico, afinal – deve-se constatar que o filme não se sustenta. Pelo contrário, o resultado se mostra frágil na construção da imagem e conservador no que diz respeito à visão de mundo.
A nova trajetória oferecida a Violetta/Tini remete aos contos de fada ingênuos que a própria Disney tem abandonado em suas animações recentes (vide os progressistas Frozen e Valente). Logo no início, a garota sofre uma crise por ciúme do namorado e pela pressão da fama, sugerindo caminhos potencialmente interessantes ao filme, como a crítica do estrelato. Mas nada disso acontece, já que o universo criado pelo roteiro gira em torno da garota, com todos os elementos conspirando a seu favor.
A pobre garota rica simplesmente dá uma pausa na carreira, faz uma viagem a um lugar luxuoso destinado a artistas, encontra uma mãe simbólica, novos amigos totalmente dedicados a Tini, um rapaz charmoso imediatamente dedicado a ela, o palco onde sua falecida mãe se apresentou no passado, um festival prestes a acontecer no local em que ela chega, pouco tempo após a sua chegada... Até um grande piano é deslocado ao ponto exato onde a protagonista quer cantar, para satisfazer seus desejos mais frívolos. Não existe naturalidade na trama movida pela noção de destino.
Quando Violetta faz sua grande descoberta pessoal e se transforma em Tini (uma reviravolta um tanto insípida, por sinal), percebe-se que este é um mundo acessório, tão falso quanto os cenários controlados em O Show de Truman. Estamos na idealização extrema, com pôres do sol mais belos que o normal, luas maiores do que se vê no céu, sorrisos mais numerosos do que se encontra numa viagem, amor mais intenso do que se vive num relacionamento real. O filme pretende fornecer ao público-alvo, especialmente feminino e adolescente, novos horizontes para sonhar, mesmo que se trate de um imaginário de romance perigosamente anacrônico.
A protagonista de 19 anos de idade não tem autonomia sobre sua vida, não toma decisões sem a ingerência do pai, do namorado e dos amigos. Tini sequer pode beijar um rapaz por quem está interessada, porque isso seria “ir longe demais”, nas palavras dela. Os adultos se comportam como castos pré-adolescentes no amor, propagando a noção de que as moças devem ser belas e recatadas, dedicadas a um único amor eterno, seguindo os caminhos traçados por outros, especialmente homens (o pai, León, o agente de Tini). Em sua crise de autoconhecimento, Tini ousa se rebelar e interromper a vida dedicada à arte, mas acaba respeitando exatamente o caminho previsto por terceiros.
Tecnicamente, o diretor Juan Pablo Buscarini abusa das ferramentas das telenovelas, sem se preocupar em adaptar a franquia à linguagem do cinema. Ele se concentra em close-ups de rostos, planos e contraplanos nos diálogos, câmeras abertas para abraçar o máximo de paisagem possível, muita câmera lenta nos encontros românticos, efeitos sonoros e visuais precários nas duas cenas em alto mar... Isso sem falar na presença de coadjuvantes funcionando apenas como alívio cômico, e na atuação comportadíssima de Stoessel, destinada a fazê-la parecer mais infantil do que realmente é.
Mas talvez nenhuma dessas considerações faça sentido para quem se interessa pela saga de Violetta. O público afeito à idealização vai rir nas horas certas, chorar nos momentos esperados e encontrar, no final, a recompensa prometida. E vai assimilar, em continuidade à série televisiva, uma visão do papel da mulher mais próxima do século XIX do que do século XXI.