Ouro de tolo
por Lucas SalgadoSucesso desde os tempos do Comédia MTV, Tatá Werneck vem ganhando cada vez mais espaço nos últimos anos através de produções como Amor à Vida, Loucas pra Casar, Vai Que Cola e Haja Coração. Agora, chega aos cinemas com aquele que talvez seja seu projeto mais pessoal. E que, com certeza, é seu melhor trabalho desde os áureos tempos na MTV.
Trata-se de TOC - Transtornada Obsessiva Compulsiva, comédia dirigida por Paulinho Caruso e Teo Poppovick. A trama gira em torno de Kika K (Werneck), uma atriz em ascensão que parece estar em todo lugar. Na novela, nas livrarias, em inúmeras campanhas publicitárias e por aí vai. Repleta de manias e inquietudes, a jovem está prestes a conseguir o papel de protagonista em uma novela. Ao mesmo tempo, sofre com a distância do namorado galã (Bruno Gagliasso) e com a dura rotina de promoção de seu primeiro livro, que ela não escreveu.
O filme tem um lado crítico, mas também reflexivo, sobre esta nova realidade de celebridades instantâneas que parecem vazias e ainda assim cativam milhares de pessoas. A maior qualidade da produção está em deixar claro que Kika - e consequentemente sua intérprete - não é uma dessas pessoas vazias, embora esteja em um ambiente quase surrealista.
Foram vários os longas ou programas de TV recentes, no Brasil, que trataram desde novo mundo de celebridades, impulsionado pelas redes sociais e pela legião de fãs. Na maioria das vezes, no entanto, as obras criticaram tais figuras atacando a pessoa. TOC ataca o cenário em que ela está inserida, e o faz de forma inteligente, divertida e impactante. Isso fica claro no momento em que acompanhamos Kika realizando vários compromissos profissionais ao som de "Ouro de Tolo", clássico de Raul Seixas. "Eu devia estar sorrindo e orgulhoso / Por ter finalmente vencido na vida / Mas eu acho isso uma grande piada / E um tanto quanto perigosa / Eu devia estar contente / Por ter conseguido tudo o que eu quis / Mas confesso abestalhado / Que eu estou decepcionado", diz a canção. Em cena, vemos Kika quase que deprimida, embora que mantendo o sorriso exigido em seus contratos. Tal sequência diz muito sobre o que o filme e a atriz querem dizer.
"Ouro de Tolo", por sinal, é apenas um dos inúmeros momentos musicais da produção. É sem dúvida o mais chamativo, uma vez que a montagem busca transmitir o que a personagem está sentindo, mas também é possível se empolgar em sequências ao som de "Nosso Sonho", de Claudinho e Buchecha, e "Eva", da Banda Eva, além de se divertir com referências a Timbalada e Cidade Negra.
O longa conta com algumas cenas improvisadas que mostram toda a velocidade e talento de Tatá, mas também há de se valorizar o trabalho dos roteiristas, que apresentaram um texto envolvente e repleto de bons diálogos. "Relacionamento é que nem tubarão, se não mandar nudes morre"; "Só vi Vamp, você fez Vamp?"; e "Já vamos chegar em Osasco, você vai querer ter usado drogas" são algumas das ótimas frases da produção. A única escorregada mais forte do roteiro é a sequência em que Kika está sob efeito de medicação, em que nos deparamos com um humor mais raso do que no restante da obra.
É interessante notar que, apesar de se tratar de uma comédia, TOC conta com inúmeros momentos sérios. Alguns até bem pra baixo. Sem entrar em maiores detalhes, impressiona a forma como o filme ao mesmo tempo em que investe no "felizes para sempre" também mostra que a realidade nem sempre é assim.
Com um design de produção mais caprichado do que a maioria dos filmes do gênero no Brasil, especialmente no que diz respeito aos momentos de sonhos, TOC - Transtornada Obsessiva Compulsiva também traz uma boa montagem, que une bem as cenas "normais", as sequências musicais e inúmeras ligações frenéticas, com o uso de vários artifícios visuais.
Além da já destacada trilha sonora, o elenco é o ponto alto da produção. Tatá está ótima e é a figura principal, mas a história não funcionaria sem os bons personagens que cercam sua Kika. Vera Holtz surge divertidíssima na pele da empresária da atriz, uma mulher determinada que recheia sua cliente de compromissos profissionais, mas que está sempre a postos para defendê-la de fãs mais apaixonados, como Felipão (Luis Lobianco). Daniel Furlan surge como um sujeito pouco social e de opiniões fortes que acaba por acaso na vida de Kika e oferece uma perspectiva diferente de interesse amoroso. A bela que se interessa pelo nerd e deixa o galã não é propriamente novo em comédias românticas, mas tudo é muito bem desenvolvido. E o público acaba sim se envolvendo com os personagens.
É importante destacar ainda a participação de Ingrid Guimarães, que interpreta ela mesma, uma atriz consagrada que vive uma rivalidade com Kika. A cena em que as duas se encontram é impagável e muito ágil.
Brincando com o culto à personalidade, com a tentativa das novelas de explorar novos gêneros e até com o cinema pernambucano, TOC é um filme sobre a busca do seu lance. E sobre a necessidade que todo mundo tem de, em algum momento em sua vida, simplesmente "ligar o foda-se".
OBS: O filme conta com uma importante cena pós-crédito.