Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Luta por Justiça

O fascínio pelo herói solitário

por Sarah Lyra

Luta por Justiça é um dos casos frequentes de temática que se sobressai à forma. Não há nada de terrivelmente errado no longa de Destin Daniel Cretton, mas tampouco acerta ou cria identidade própria. O protagonista Bryan Stevenson (Michael B. Jordan), um advogado recém-formado em Harvard, abre mão do caminho óbvio, e mais fácil, para se dedicar a prisioneiros condenados à morte que jamais receberam assistência legal justa. Somente esta decisão, explorada ao máximo no momento em que ele sai de casa e precisa convencer a própria mãe sobre a importância de seu ato, é o suficiente para transformá-lo num homem cujas motivações e caráter jamais serão questionados. E, claro, se há um ator que personifica esta intenção, Jordan é a escalação certeira para o projeto.

Embora a trama se disponha a abordar, na maior parte do tempo, as barbaridades do sistema judicial americano, fica claro o fascínio do roteiro por Stevenson. Todos parecem imediatamente atraídos e encantados pela determinação do rapaz, exceto, talvez, Walter McMillian (Jamie Foxx), cuja função inicial é de demonstrar resistência em receber ajuda, para momentos depois ceder ao já conhecido charme do protagonista — um truque clássico em Hollywood. O curioso desse tipo de recurso não é tanto sua popularidade, mas o fato de normalmente ser utilizado para falar mais do personagem que recebeu a negação do que sobre aquele que talvez merecesse mais da nossa atenção enquanto espectador.

Note como, durante um revés no segundo ato, quando fica claro que as chances do prisioneiro em reverter sua sentença são escassas, é Stevenson quem recebe o consolo de McMillian, e não o contrário. “Você devolveu minha verdade”, diz o homem no corredor da morte para o advogado frustrado. Outro artifício utilizado é aquele em que uma fala com uma informação histórica é inserida de modo a praticamente anunciar uma ruptura. “Você sabe quantas pessoas já se livraram do corredor da morte? Zero”, esbraveja o personagem de Foxx ao demonstrar sua falta de crença no sistema, ao mesmo tempo explicando para o espectador o impacto de sua provável libertação.

A representação feminina na trama é outro aspecto que se mostra problemático, a começar por Eva (Brie Larson), que não só carece de um arco próprio como entra em cena com dois objetivos bastante delimitados. O primeiro é o de antecipar as perguntas do espectador e se certificar de que não há dúvidas sobre o que foi explicado na cena. Exemplo disso é o momento em que Stevenson fala do uso impróprio de um depoimento no julgamento de McMillian, e imediatamente depois Eva repete as mesmas informações com palavras diferentes, acrescentando detalhes e conclusões que possam ter passado batido ao público.

A segunda função é de enaltecer a figura do protagonista. Note como, durante um jantar em sua casa, ela fala de sua trajetória em busca de um trabalho que fizesse a diferença e de como estava prestes a desistir quando finalmente encontra Stevenson, seu salvador. Até mesmo a atendente de um escritório governamental tem como única participação um questionamento sobre o status civil do advogado.

Minnie (Karan Kendrick), por sua vez, é a esposa que se mantém incondicionalmente ao lado do marido, mesmo sabendo de uma traição ocorrida meses antes. Suas dificuldades financeiras e, principalmente, a ambiguidade de seus sentimentos diante da situação do marido jamais são abordadas.

Há uma válida tentativa de trazer profundidade à rotina no corredor da morte, principalmente quando uma maior atenção é dada ao trio de vizinhos de cela. No entanto, a indisponibilidade do longa em abordar os supostos crimes de Herbert (Rob Morgan) e Anthony (O'Shea Jackson Jr.) surpreende, principalmente quando os créditos finais revelam que o último precisou passar décadas na cadeia antes de provar sua inocência, um grave sintoma da estrutura falha do judiciário americano que nunca é explorado pelo roteiro. Ao final, fica claro que a luta referida no título é mais do homem que abriu mão de certos privilégios do que contra as injustiças institucionalizadas dos órgãos judiciais.

Filme visto no 21º Festival do Rio, em dezembro de 2019.